BUSCA PELA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E, TAMBÉM, PELA ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS (DECISÃO “VESTIDINHO PRETO”): Dois pontos extremamente importantes no estudo do CPC/2015 são, sem dúvida, a questão ligada à busca pela uniformização da jurisprudência, bem como pela adequada fundamentação das decisões judiciais. A rigor, jurisprudência, em seu sentido etimológico, já quer designar o “direito prudente”, isto é, o direito que respeita a igualdade substancial e a confiança legítima que os cidadãos depositam no Poder Judiciário. Nesse sentido, em teoria, seria inconcebível imaginar uma jurisprudência incoerente ou instável. Infelizmente, na prática, os julgados dos tribunais brasileiros mostram que o aumento da litigiosidade também se deve à balbúrdia de entendimentos diversos sobre a mesma matéria. Por isso que o art. 926 do Código é expresso ao indicar que “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”. E os enunciados das Súmulas devem representar esses entendimentos consolidados (§§1º e 2º). Da mesma forma, ainda que se discuta acerca da constitucionalidade do art. 927, fato é que em diversos dispositivos se vê presente a vontade do legislador em respeitar entendimentos consolidados que amparam a legítima expectativa dos jurisdicionados (v. CPC, arts. 489, §1º, V e VI, 521, IV, 927, §3º, 928, 955, II, 976, 988, IV, 1.022, parágrafo único, I, 1.035, §3º, II, 1.042, §1º, II, dentre outros), sempre também suportados pelos princípios da isonomia, da confiança e da segurança jurídica (art. 927, §4º). Sobre a fundamentação das decisões judiciais, sejam elas sentenças, acórdãos ou decisões interlocutórias, o art. 489, §1º, do CPC, traz diversas hipóteses (meramente exemplificativas) nas quais não se pode considerar fundamentada uma decisão judicial (quando ela:) “I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”. Nas palavras de Teresa ARRUDA ALVIM, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO, Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO e Rogério Licastro Torres de MELLO: “Quando se estuda motivação da decisão, na verdade, o que se estuda é o que aparece na decisão, que seria uma espécie de ‘fachada’, mas mesmo assim, é interessante estudar este fenômeno, já que representa, pelo menos, o que é compreendido como satisfatório para figurar como fundamento da decisão, em face das exigências do dado sistema. Outras motivações que podem ter as decisões (ideológicas, psicológicas etc.), estas não estão presentes claramente no texto e não interessam para o direito. Tem que ter sido absorvidas pela possível objetividade e racionalidade dos fundamentos. Caso contrário, a decisão será arbitrária e contrária ao direito. (…) Norma já embutida nas anteriores (489, §1º, I e II) é que consta do §1º, III, que considera não motivada a decisão “vestidinho preto’, que se prestaria a justificar qualquer decisum: como, por exemplo, concedo a liminar porque presentes os seus pressupostos. A fundamentação deve ser expressa e especificamente relacionada ao caso concreto que está sendo resolvido.” (Primeiros comentários ao Novo CPC. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 793-795).

AGRAVO DE INSTRUMENTO, ALTERAÇÃO DO REGIME DA PRECLUSÃO E EXTINÇÃO DO AGRAVO RETIDO: Dentro dos temas relacionados aos recursos no CPC, aquele ligado ao agravo é provavelmente um dos que mais nos interessa de perto, uma vez que a sua interposição por instrumento, por exemplo, representa, com certo grau de celeridade, a “via rápida” junto ao tribunal para se buscar a modificação de uma decisão interlocutória que causa prejuízo grave e de difícil reparação. E como ficou o recurso de agravo de instrumento no CPC/15? Em primeiro lugar, cabe ressaltar que o prazo para a sua interposição e resposta é de 15 dias (regra geral para todos os recursos, à exceção dos embargos de declaração, que continuaram com prazo de 05 dias – v. CPC, arts. 1.003, §5º e 1.023) e que o protocolo do agravo de instrumento pode ser feito diretamente no tribunal ou na própria comarca, seção ou subseção judiciárias (art. 1.017, §2º, I e II). Cumpre dizer que a modalidade retida foi extinta do sistema (v. CPC, arts. 994 e 1.015). O Código, alterando corretamente o regime das preclusões, deixa claro no artigo 1.009, §1º que “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”. Em resumo: o que era matéria para agravo retido terá o seu espaço nas preliminares do recurso de apelação. Em segundo lugar, as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento serão expressas no artigo 1.015 (com debate sobre a taxatividade ou não desse rol). Em terceiro lugar, também é importante dizer que o CPC ampliou o rol das peças consideradas obrigatórias (v. art. 1.017), a incluir as cópias da petição inicial, da contestação e da petição que ensejou a decisão agravada, bem como, facultativamente, “outras peças que o agravante reputar úteis” (inciso III). Além disso, também permite que o advogado declare, sob sua responsabilidade pessoal, a inexistência de qualquer peça considerada obrigatória (inciso II). Por fim, deve-se fazer alusão às possibilidades de: correção de eventuais vícios na formação do instrumento por decisão do relator (CPC, art. 1.017, §3º); o agravante requerer a juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e da relação dos documentos que instruíram o recurso (art. 1.018, caput – com a ressalva de que esse dispositivo não deixa claro se essa atitude por parte do agravante deixa de ser um ônus e passa a ser uma mera faculdade); concessão de tutela provisória na fase recursal (art. 1.019, I); e, por último, mas não menos importante, de sustentação oral no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência (art. 937, VIII).

TAXATIVIDADE OU NÃO DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC: Desde o advento do CPC/2015, discute-se a taxatividade ou não do rol apresentado pelo art. 1.015 do Código. A princípio, parece se tratar de rol taxativo, a permitir ampliação apenas nos casos expressamente referidos em lei (v. art. 1.015, XIII). Entretanto, a partir de algumas hipóteses levantadas pela doutrina, especialmente envolvendo temas como competência e provas, chegou-se a um certo consenso de que o legislador se esqueceu de diversas hipóteses muito relevantes, que claramente deveriam fazer parte do elenco das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Partiu-se, então, para o papel do STJ frente a essa questão. Tratar-se-ia de buscar, o mais rápido possível, alteração legislativa com o objetivo de equacionar a questão ou seria interessante admitir certo grau de ativismo judicial nesse campo? Apesar de o primeiro caminho parecer o mais lógico e constitucionalmente adequado, a prática mostrou que, em casos de omissão legislativa, o Poder Judiciário acaba por resolver a questão de forma prática, ainda que fora dos limites da autorização constitucional expressa (como acontece, por exemplo, nos casos de mandado de injunção ou de ação direta de inconstitucionalidade por omissão – v. CF, arts. 5º, LXXI e 102, I, “a”, além da Lei Federal nº 9.868/1999, arts. 12-A a 12-H). Nesse sentido, a partir de decisão da Quarta Turma do STJ, em acórdão da lavra do Ministro Luis Felipe Salomão, passou-se a admitir interpretação mais ampla do inciso III do art. 1.015 do CPC, a fim de processar agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória que versa sobre definição de competência (v. REsp 1679909/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018). Na notícia publicada no site oficial do STJ à época, houve destaque para a posição do Ministro no sentido de que “pode ensejar consequências danosas ao jurisdicionado e ao processo, além de tornar extremamente inútil se aguardar a definição da questio apenas no julgamento pelo Tribunal de Justiça, em preliminar de apelação” (Disponível em: <https://bit.ly/2iMCXJ4>). E, de fato, não há dúvidas de que, em muitas situações não previstas no rol até então taxativo do art. 1.015 do CPC, a espera para a impugnação nas preliminares do recurso de apelação, nos termos do expressamente disposto no art. 1.009, §1º, do Código, pode trazer consequências danosas e graves para as partes. Entretanto, por outro lado, a impugnação das decisões interlocutórias não abrangidas pelo rol do art. 1.015, em preliminar de apelação, implica concluir, de outro lado, que haverá, sim, preclusão para quem não interpuser agravo de instrumento daquelas decisões que estão expressamente alocadas nos incisos do referido artigo. Em outras palavras: a inocorrência de preclusão prevista no art. 1.009, §1º, do CPC, diz respeito apenas à impugnação das decisões interlocutórias que não comportem agravo de instrumento. Em conclusão: a interpretação ampliativa do rol do art. 1.015 traz insegurança jurídica em relação à ocorrência ou não de preclusão em hipóteses que não estão expressas no dispositivo, contrariando a lógica do Código. E agora? Interpor obrigatoriamente recurso de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versem sobre competência, ainda que não estejam expressamente no rol do art. 1.015, sob pena de preclusão? Parece ser esse o recado que, indiretamente, o STJ acaba dando aos jurisdicionados. Mas o debate não acabou por aí, não. Quando do julgamento dos Recursos Especiais nº 1.696.396 e 1.704.520 sob o rito dos repetitivos (TEMA 988) em dezembro de 2018, a Corte Especial do STJ acabou por definir, por maioria de votos, a prevalência da posição defendida pela Ministra Nancy Andrighi de que o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, a permitir a impugnação de decisões interlocutórias não previstas no dispositivo quando se verificar a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão em sede de apelação. Na mesma ocasião, a divergência aberta pelo voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, que defendeu a taxatividade do rol como sinônimo de segurança jurídica, destacando a evidente necessidade de alteração legislativa, foi seguida por outros Ministros da Corte, que restaram vencidos. A essa conclusão majoritária já se somam decisões mais recentes do mesmo Tribunal no sentido de que a regra da taxatividade mitigada se aplica apenas às decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento. Em se tratando de decisões proferidas em liquidação, cumprimento de sentença, execução e inventário, sempre caberá recurso de agravo de instrumento, conforme expressa previsão legal contida no parágrafo único do art. 1.015 do CPC. Ainda mais recentemente, surgiu uma pergunta interessante: cabe ou não agravo de instrumento contra decisão que permite emenda à inicial dos embargos à execução? Para a Terceira Turma do STJ, a resposta é NÃO, devendo-se, nesse caso, seguir a regra do art. 1.009, §1º, do CPC (a matéria deve ser retomada em preliminar de apelação), vez que os embargos à execução têm natureza jurídica de processo de conhecimento (v. REsp 1.682.120/RS). Entretanto, em se tratando da decisão que nega efeito suspensivo aos embargos à execução, a resposta é SIM, cabe agravo de instrumento com base no art. 1.015, I (v. STJ, REsp 1.745.358/SP). Como se vê, parece que a resposta definitiva acerca das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento somente será dada a médio e longo prazo, a partir da interpretação da jurisprudência (notadamente do STJ) sobre o tema. De maneira pragmática, parece correta a conclusão da Ministra Maria Thereza de Assis Moura que, apesar de vencida na tese da taxatividade absoluta do rol do art. 1.015, deixou assentado em seu voto-vista: “Nesse contexto, pedindo as mais respeitosas vênias à relatora, penso que a tese proposta em seu voto poderá causar um efeito perverso, qual seja, a de que os advogados tenham, a partir de agora, de interpor, sempre, agravo de instrumento de todas as interlocutórias, a pretexto de que se trata de situação urgente, agora sim sob pena de preclusão (que foi tratada de forma diferente na lei processual em vigor). E, cada tribunal decidirá conforme sua convicção. Ou seja, o repetitivo não cumprirá sua função paradigmática.” (Disponível em: < https://bit.ly/30OHgbe>).