Temos um Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 18 de março de 2016 (um ano de vacatio legis – CPC, art. 1.045).

Como havia, na época, certo dissenso acerca do dia exato de início da vigência do Código, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 02 de março de 2016, aprovou em Plenário o Enunciado Administrativo nº 01 (cf. os demais Enunciados Administrativos aprovados pelo Plenário do STJ na sessão do dia 09 de março de 2016 em http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Institucional/Enunciados-administrativos): “O Plenário do STJ, em sessão administrativa em que se interpretou o art. 1.045 do novo Código de Processo Civil, decidiu, por unanimidade, que o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n. 13.105/2015, entrará em vigor no dia 18 de março de 2016“.

Se isso era ou não função e competência do STJ é outra história, mas fato é que trouxe maior segurança jurídica aos jurisdicionados diante do novo sistema que logo entraria em vigor, mesmo porque já se estava às vésperas da vigência do CPC, independentemente da “corrente doutrinária” que se tivesse adotado.

Uma das discussões que inicialmente se travou na doutrina foi no sentido de saber se esse “Código” era novo mesmo ou se não se tratava, pura e simplesmente, de mais uma (grande) reforma do CPC/73.

Aos olhos de parte dos estudiosos do direito do país, tratou-se de uma reforma do CPC/73, porque não houve grandes alterações, não houve mudanças de paradigmas.

No entanto, outros ainda entendem que, no campo do direito, as alterações devem ser lentas, porque acompanham as necessidades sentidas na sociedade. E, como se sabe, as sociedades se modificam lentamente. Segundo essa outra parcela de estudiosos, a alteração do direito não se dá apenas com “boas ideias”, mas com ideias que, além de boas, possam ser assimiladas e bem utilizadas pelos operadores, para que gerem resultados positivos para a sociedade.

Trata-se, assim, de uma perspectiva verdadeiramente pragmática.

Nesse sentido, é bom lembrar a advertência:

Não se quis, com o novo Código, “zerar” o direito processual, fazer “tábula rasa” de tudo o que existe. Quis-se, sim, inovar, a partir do que já existe, respeitando as conquistas, dando-se passos à frente.

Assim é que devem ocorrer as mudanças das ciências ditas sociais, da lei, da jurisprudência: devagar. Porque também devagar mudam as sociedades. Nada de mudanças bruscas, que não correspondem àquilo que se quer, que assustam, atordoam e normalmente não são satisfatoriamente assimiladas. Não há razão para não se manter tudo o que de positivo já tínhamos concebido. Nada como se engendrar um novo sistema, de forma equilibrada, entre conservação e inovação. (Teresa ARRUDA ALVIM, Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO e Rogerio Licastro Torres de MELLO, Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, p. 55).

De fato, o Código pretendeu encerrar muitas discussões doutrinário-jurisprudenciais, tendo tomado posições firmes acerca de determinados temas polêmicos, além de inovar em matérias não positivadas, como é o caso, por exemplo, da disciplina própria para o amicus curiae e para o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, agora vistos como novas modalidades de intervenção de terceiros (CPC, arts. 133 a 138).

Portanto, ainda segundo essa ótica pragmática, as alterações trazidas pelo CPC, que são muitas, não inovaram mais do que de deveriam inovar. Parece que, de fato, o que há de novo no CPC já estava, de certa maneira, potencialmente presente nas críticas da doutrina, nas queixas dos juízes, dos advogados, naquilo que já estava sendo objeto de discussões em congressos, cursos e encontros de processualistas.

Vamos a mais alguns exemplos.

O sistema está mais organizado, o que facilita o seu manuseio.

O Código tem uma Parte Geral (CPC, arts. 1º a 317) – o que acaba com as discussões sobre se determinado instituto, que estava na parte do Código que trata do processo de conhecimento, por exemplo, aplica-se ou não à execução civil.

Todas as espécies de tutelas que podem ser concedidas com base em cognição não exauriente – tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, ou da evidência – estão tratadas conjuntamente (CPC, arts. 294 a 311). No CPC/73, por exemplo, a tutela antecipada estava separada da tutela cautelar.

Alguns procedimentos especiais foram extintos, porque, mesmo à luz da última versão do CPC/73 – depois de todas as reformas pelas quais passou – nada mais tinham de especiais. Em contrapartida, está prevista a possibilidade de as partes e o juiz construírem, em certa medida, o procedimento, adaptando-o às peculiaridades do caso concreto (cláusula geral de negociação processual atípica – v. CPC, art. 190).

As alterações quanto aos recursos não ocorreram no sentido de diminuir drasticamente as espécies recursais. Não há mais agravo retido, mas se alterou o regime da preclusão em relação à impugnação das interlocutórias contra as quais não cabe agravo de instrumento (polêmico rol do art. 1.015): deverão ser objeto de preliminar no recurso de apelação ou nas contrarrazões da apelação (v. CPC, art. 1.009, § 1º). Portanto, a extinção desse recurso, a princípio, não muda nada para a parte.

O único recurso que foi, de fato, excluído do rol, foram os embargos infringentes (CPC, art. 994), substituídos, de certa forma, pela técnica de julgamento prevista no art. 942 do Código.

Os recursos excepcionais sofreram alterações que os tornam mais eficientes (CPC, arts. 1.029 a 1.041). Com isso, quer-se dizer que há modificações interessantes, todas com o objetivo de fazê-los gerar decisões de mérito, como, por exemplo, dispositivos que desencorajam a jurisprudência excessivamente rigorosa quanto à admissibilidade, dita “jurisprudência defensiva” (v. texto próprio sobre o tema nesta obra).

Na redação original do CPC, o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário seria feito diretamente nos tribunais superiores. Uma das principais alterações trazidas pela Lei Federal nº 13.256/2016 foi justamente reestabelecer o duplo exame da admissibilidade dos recursos excepcionais, com a justificativa de que seria impossível concentrar tudo nas instâncias superiores, sem estrutura física e de recursos humanos para absorver toda essa demanda. Também, em função disso, foram alteradas as disposições que tratavam do agravo em recurso especial e extraordinário (v. CPC, art. 1.042).

Deu-se ênfase às formas extrajudiciais de resolução de conflito, tendo-se, por exemplo, criado uma audiência – em que pode haver mediação ou conciliação – na qual as partes devem comparecer caso não se expressem, ambas, no sentido de não quererem, antes mesmo de ser apresentada a contestação (CPC, art. 334).

Proibiram-se as decisões-surpresa: mesmo que se trate de matéria de ordem pública, deve o juiz sempre proporcionar às partes a possibilidade de se manifestar antes da decisão (v. CPC, art. 10).

Enfim, nada há de “outro planeta”.

Mas isso, segundo a grande maioria dos doutrinadores, é muito bom! Até porque, como se sabe, alterações da lei não têm o condão de, sozinhas, fazer operar milagres. Para que a lei produza bons resultados, é necessário que seja interpretada e aplicada por homens que a compreendam e que, com boa vontade, queiram extrair dela todo o seu verdadeiro potencial.