Há tempos o Superior Tribunal de Justiça enfrenta divergência interna acerca do seguinte tema: nos casos em que, havendo duas sentenças transitadas em julgado tratando do mesmo objeto, qual coisa julgada deve prevalecer?
Enquanto a Segunda e Sexta Turmas possuem entendimento de que a última coisa julgada deve prevalecer, até que não seja desconstituída por ação rescisória (REsp 598.148/SP, Rel. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 643.998/PE, Rel. Celso Limongi, 6ª T., DJe 01.02.2010); a Terceira Turma possui entendimento no sentido de que a primeira coisa julgada deve prevalecer (EDcl no AgRg no AREsp 531.918/DF, Rel. Moura Ribeiro, 3ª T., DJe 12.12.2016).
Os argumentos, em síntese, para a prevalência da primeira coisa julgada se sustentam nos seguintes fundamentos: i) a segunda sentença conteria vício de inexistência, na medida em que fora proferida em demanda que o autor careceria de interesse jurídico; ii) o fato de a coisa julgada, por ser um pressuposto processual negativo, impedir a existência da segunda sentença.
Já para a corrente que sustenta a prevalência da segunda coisa julgada, os fundamentos, em suma, são: i) no caso de duas coisas julgadas de casos idênticos, a segunda prevalecerá enquanto não for rescindida por ação rescisória, por se tratar de vício de validade; ii) após o prazo da rescisória, a segunda coisa julgada irá perdurar.
Em recente julgamento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Divergência em AREsp nº 600.811/SP, enfrentou o tema e fixou entendimento segundo o qual a segunda coisa julgada deve prevalecer enquanto não for rescindida por ação rescisória no prazo de 02 anos, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSENSO ESTABELECIDO ENTRE O ARESTO EMBARGADO E PARADIGMAS INVOCADOS. CONFLITO ENTRE COISAS JULGADAS. CRITÉRIO TEMPORAL PARA SE DETERMINAR A PREVALÊNCIA DA PRIMEIRA OU DA SEGUNDA DECISÃO. DIVERGÊNCIA QUE SE RESOLVE, NO SENTIDO DE PREVALECER A DECISÃO QUE POR ÚLTIMO TRANSITOU EM JULGADO, DESDE QUE NÃO DESCONSTITUÍDA POR AÇÃO RESCISÓRIA. DISCUSSÃO ACERCA DE PONTO SUSCITADO PELA PARTE EMBARGADA DE QUE, NO CASO, NÃO EXISTIRIAM DUAS COISAS JULGADAS. QUESTÃO A SER DIRIMIDA PELO ÓRGÃO FRACIONÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS PARCIALMENTE. 1. A questão debatida neste recurso, de início, reporta-se à divergência quanto à tese firmada no aresto embargado de que, no conflito entre duas coisas julgadas, prevaleceria a primeira decisão que transitou em julgado. Tal entendimento conflita com diversos outros julgados desta Corte Superior, nos quais a tese estabelecida foi a de que deve prevalecer a decisão que por último se formou, desde que não desconstituída por ação rescisória. Diante disso, há de se conhecer dos embargos de divergência, diante do dissenso devidamente caracterizado. 2. Nesse particular, deve ser confirmado, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento majoritário dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, na seguinte forma: “No conflito entre sentenças, prevalece aquela que por último transitou em julgado, enquanto não desconstituída mediante Ação Rescisória” (REsp 598.148/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/8/2009, DJe 31/8/2009). 3. Entendimento jurisprudencial que alinha ao magistério de eminentes processualistas: “Em regra, após o trânsito em julgado (que, aqui, de modo algum se preexclui), a nulidade converte-se em simples rescindibilidade. O defeito, arguível em recurso como motivo de nulidade, caso subsista, não impede que a decisão, uma vez preclusas as vias recursais, surta efeito até que seja desconstituída, mediante rescisão (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed, Forense: 1985, vol. V, p. 111, grifos do original). Na lição de Pontes de Miranda, após a rescindibilidade da sentença, “vale a segunda, e não a primeira, salvo se a primeira já se executou, ou começou de executar-se”. (Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. , t. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 214). 4. Firmada essa premissa, que diz respeito ao primeiro aspecto a ser definido no âmbito deste recurso de divergência, a análise de questão relevante suscitada pela parte embargada, no sentido de que, no caso, não existiriam duas coisas julgadas, deve ser feita pelo órgão fracionário. É que a atuação desta Corte Especial deve cingir-se à definição da tese, e, em consequência, o feito deve retornar à eg. Terceira Turma, a fim de, com base na tese ora estabelecida, rejulgar a questão, diante da matéria reportada pela parte embargada. 5. Embargos de divergência providos parcialmente.
(EAREsp nº 600.811/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 04/12/2019, DJe 07/02/2020).
Portanto, caro leitor, pacificando antiga divergência, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no sentido de, havendo duas sentenças transitadas em julgado, com objetos idênticos, prevalecerá a segunda coisa julgada, enquanto não for rescindida mediante ação rescisória.
EQUIPE IDC (Luiz Cezare e Felipe Moreira)