RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. ATIVIDADE DE PRATICAGEM. LIMITES DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA. FIXAÇÃO DE PREÇOS MÁXIMOS PELA AUTORIDADE MARÍTIMA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA.
- Não procede a suscitada contrariedade ao art. 535, II, do CPC/1973, tendo em vista que o Tribunal de origem decidiu, fundamentadamente, as questões essenciais à solução da controvérsia, concluindo de forma contrária à defendida pela parte recorrente, o que não configura omissão ou qualquer outra causa passível de exame mediante a oposição de embargos de declaração.
- Cinge-se a questão à possibilidade de intervenção da autoridade pública na atividade de praticagem, para promover, de forma ordinária e permanente, a fixação dos preços máximos a serem pagos na contratação dos serviços em cada zona portuária.
- Tomando de empréstimo a precisa definição entabulada pela eminente Ministra Eliana Calmon no julgamento do REsp 752.175/RJ, observa-se que o exercício do trabalho de praticagem é regulamentado pela Lei n. 9.537/1997, que, em seu art. 3º, outorga à autoridade marítima a sua implantação e execução, com vista a assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e nas hidrovias, justificando, dessa forma, a intervenção estatal em todas as atividades que digam respeito à navegação.
- Denota-se, da própria letra dos arts. 12, 13, 14, e 15 da Lei n. 9.537/1997, que se trata de serviço de natureza privada, confiada a particular que preencher os requisitos estabelecidos pela autoridade pública para sua seleção e habilitação, e entregue à livre iniciativa e concorrência.
- A partir do advento da Lei n. 9.537/1997, foi editado o Decreto n. 2.596/1998, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e regulamenta a questão dos preços dos serviços de praticagem, salientando a livre concorrência para a sua formação, bem como o caráter excepcional da intervenção da autoridade marítima para os casos em que ameaçada a continuidade do serviço.
- Posteriormente, editou-se o Decreto n. 7.860/2012, que criou nova hipótese de intervenção da autoridade pública na formação dos preços dos serviços, agora de forma permanente e ordinária.
- A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei n. 9.537/1997, consoante entendimento desta relatoria, só pode conduzir à conclusão de que, apenas na excepcionalidade, é dada à autoridade marítima a interferência na fixação dos preços dos serviços de praticagem, para que não se cesse ou interrompa o regular andamento das atividades, como bem definiu a lei.
- A doutrina e a jurisprudência são uníssonas no sentido de que a interferência do Estado na formação do preço somente pode ser admitida em situações excepcionais de total desordem de um setor de mercado e por prazo limitado, sob o risco de macular o modelo concebido pela CF/1988, com exceção dos casos em que a própria Carta Constitucional instituiu o regime de exploração por monopólio público.
- É inconcebível, no modelo constitucional brasileiro, a intervenção do Estado no controle de preços de forma permanente, como política pública ordinária, em atividade manifestamente entregue à livre iniciativa e concorrência, ainda que definida como essencial.
- O limite de um decreto regulamentar é dar efetividade ou aplicabilidade a uma norma já existente, não lhe sendo possível a ampliação ou restrição de conteúdo, sob pena de ofensa à ordem constitucional.
- Recurso especial a que se dá provimento, para restabelecer a ordem concedida na sentença de piso, a fim de determinar que a autoridade impetrada se abstenha de impor limites máximos aos preços do serviço de praticagem prestado por seus associados, ressalvada a hipótese legalmente estabelecida no parágrafo único do art. 14 da Lei n. 9.537/1997.
(STJ, REsp 1662196/RJ, 2ª T., j. 19.09.2017, rel. Min. Og Fernandes, DJe 25.09.2017).