A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.410.815/SC, enfrentou a seguinte controvérsia: a genitora tem ou não legitimidade para prosseguir na execução de débitos alimentares, em nome próprio, proposta à época em que era guardiã do menor, ainda que depois disso a guarda tenha sido transferida para o executado?

Dito em outras palavras: a genitora/guardiã do menor, ao mover execução de alimentos vencidos, diante da transferência da guarda ao genitor/executado, poderia prosseguir na ação, em nome próprio, para reivindicar o pagamento dos alimentos pelo ressarcimento dos custos que teria despendido à época em que era responsável pelo menor?

Naquela ocasião, em setembro de 2016, a tese fixada foi no sentido de que a genitora possuiria legitimidade para prosseguir na execução.

Vejamos:

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PELO RITO DO ART. 733 DO CPC/1973 – FILHAS MENORES REPRESENTADAS PELA GENITORA – TRANSFERÊNCIA DA GUARDA AO EXECUTADO NO CURSO DA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – ILEGITIMIDADE ATIVA PARA A CAUSA – INSURGÊNCIA DAS EXEQUENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

Hipótese: Cinge-se a controvérsia a decidir se a genitora tem ou não legitimidade para prosseguir na execução de débitos alimentares proposta à época em que era guardiã das menores, ainda que depois disso a guarda tenha sido transferida ao executado.

(…)

  1. A genitora possui legitimidade para prosseguir na execução de débitos alimentares proposta à época em que era guardiã das menores, visando a satisfação de prestações pretéritas, até o momento da transferência da guarda. 2.1. A mudança da guarda das alimentandas em favor do genitor no curso da execução de alimentos, não tem o condão de extinguir a ação de execução envolvendo débito alimentar referente ao período em que a guarda judicial era da genitora, vez que tal débito permanece inalterado.

2.2. Não há falar em ilegitimidade ativa para prosseguimento da execução, quando à época em que proposta, e do débito correspondente, era a genitora a representante legal das menores. Ação de execução que deve prosseguir até satisfação do débito pelo devedor, ora recorrido. 3. Recurso especial provido. (REsp n. 1.410.815/SC, Quarta Turma, Relator o Ministro Marco Buzzi, DJe de 23/09/2016) – Grifamos

Referido entendimento restou fundamentado no fato de o crédito exequendo ser referente ao período em que o menor estava sob os cuidados exclusivos da genitora, época em que ela teria suportado sozinha a obrigação de sustentá-lo, de modo que a alteração da guarda no curso da ação não teria o condão de alterar situação pretérita. Além disso, com a alteração da guarda, a genitora teria deixado de pedir, por si, a proteção de direito alheio, passando a fazê-lo a título ressarcitório, sendo um direito próprio da postulante, observando, assim, o princípio da economia processual.

Ocorre que, em agosto de 2019, o Superior Tribunal de Justiça revisitou a tese, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.771.258/SP, de relatoria do Min. Marco Aurélio Belizze, da Terceira Turma, e alterou o entendimento anteriormente fixado pela Corte.

Na atual orientação da Corte, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante, em decorrência da alteração da guarda do menor ao executado, a genitora que movera a execução dos alimentos vencidos não possuiria mais legitimidade para prosseguir em nome próprio, pois não haveria que se falar em sub-rogação na espécie, diante do caráter personalíssimo do direito discutido.

Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA PELO MENOR, REPRESENTADO POR SUA GENITORA. POSTERIOR ALTERAÇÃO DA GUARDA EM FAVOR DO EXECUTADO. IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PELA GENITORA. DIREITO AOS ALIMENTOS CONCEBIDO COMO DIREITO DA PERSONALIDADE DO ALIMENTANDO, DO QUE DECORRE SUA INTRANSMISSIBILIDADE (AINDA QUE VENCIDOS), DADO O SEU VIÉS PERSONALÍSSIMO. AUSÊNCIA DE SUB-ROGAÇÃO NA ESPÉCIE. EVENTUAL PRETENSÃO DA GENITORA VISANDO O RESSARCIMENTO DOS GASTOS COM O MENOR, DURANTE O PERÍODO DE INADIMPLÊNCIA DO OBRIGADO, DEVERÁ SER MANEJADA EM AÇÃO PRÓPRIA, NOS TERMOS DO ART. 871 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO DESPROVIDO.

  1. A controvérsia instaurada no presente recurso especial centra-se em saber se a genitora do alimentando poderia prosseguir, em nome próprio, com a ação de execução de alimentos, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado.

(…)

  1. Os alimentos integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. Para efeito de caracterização da natureza jurídica do direito aos alimentos, a correlata expressão econômica afigura-se in totum irrelevante, apresentando-se de modo meramente reflexo, como ocorre com os direitos da personalidade.

(…)

  1. Nessa linha de entendimento, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante – no caso pela alteração da guarda do menor em favor do executado -, a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução dos alimentos vencidos, em nome próprio, pois não há que se falar em sub-rogação na espécie, diante do caráter personalíssimo do direito discutido.
  2. Para o propósito perseguido, isto é, de evitar que o alimentante, a despeito de inadimplente, se beneficie com a extinção da obrigação alimentar, o que poderia acarretar enriquecimento sem causa, a genitora poderá, por meio de ação própria, obter o ressarcimento dos gastos despendidos no cuidado do alimentando, durante o período de inadimplência do obrigado, nos termos do que preconiza o art. 871 do Código Civil.
  3. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 1.771.258/SP, Terceira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 14/08/2019) – Grifamos

Portanto, caro leitor, o Superior Tribunal de Justiça vem sinalizando alteração de entendimento jurisprudencial anteriormente consolidado, no sentido de que a exequente na ação de alimentos não teria legitimidade para prosseguir na ação, em nome próprio, para obter eventuais ressarcimentos, caso a guarda seja transferida ao executado durante a tramitação do feito, devendo, a exequente, manejar ação própria para obter eventual ressarcimento.

EQUIPE IDC (Luiz Cezare e Felipe Moreira)