Um dos temas mais polêmicos e que gera maior insegurança jurídica no tocante aos recursos, certamente, é a formação do instrumento do Agravo (CPC, art. 1.015), mormente pela não rara interpretação restritiva que os tribunais costumam dar acerca da regularidade formal deste recurso.

 

Em função disso, sempre foi tema de grande atenção quais seriam as peças ditas obrigatórias e as facultativas, à luz da legislação vigente. O CPC/15 manteve a distinção entre as duas categorias, prevendo, no art. 1.017, incisos I e III, de um lado, como peças obrigatórias: cópias da petição inicial, contestação, petição que ensejou a decisão agravada, decisão agravada, certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas para os advogados das partes; de outro, como peças facultativas: outras que o agravante reputar úteis.

 

Como a opção legislativa foi de prever expressamente as peças obrigatórias, a grande dúvida recai sobre as peças facultativas, principalmente nas situações em que o julgador reputa alguma peça de vital importância para o regular entendimento da controvérsia (por exemplo, cópia do laudo pericial ou do contrato para aferição de requerimento de denunciação à lide), mas que não é juntada aos autos pelo recorrente.

 

Todavia, mesmo com o cuidado da legislação atual em evitar entraves processuais que inviabilizem o julgamento do mérito do recurso – como a dispensa das peças obrigatórias no processo eletrônico (CPC, art. 1.017, §5º) – o Superior Tribunal de Justiça enfrentou recente controvérsia acerca da possibilidade de o Tribunal não conhecer do agravo de instrumento na hipótese de haver algum vício na indexação das peças facultativas no processo eletrônico (registre-se que, no caso analisado, a despeito de os autos do recurso serem eletrônicos, os autos do processo originário eram físicos, daí porque não seria aplicável a regra prevista no art. 1.017, §5º, do CPC).

 

No julgamento do REsp 1.810.437/RS, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, reformou acórdão do TJRS que inadmitiu o agravo de instrumento pois o recorrente não teria nomeado precisamente cada documento acostado aos autos do recurso como peças facultativas, sob o fundamento de que este vício, por si só, não poderia conduzir à imediata inadmissibilidade do recurso:

 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALTA DE INDEXAÇÃO DAS PEÇAS FACULTATIVAS. INTEIRO TEOR DOS AUTOS FÍSICOS. NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DAS PEÇAS ENTENDIDAS PELO TRIBUNAL COMO ESSENCIAIS PARA O JULGAMENTO. RAZÕES DE DECIDIR DO TEMA 462/STJ. APLICAÇÃO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. DOUTRINA SOBRE O TEMA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO PREJUDICADA. EFEITO SUBSTITUTIVO DOS RECURSOS.

  1. Controvérsia acerca das consequências do não atendimento de intimação para indexação individualizada de cada uma das peças facultativas que compõem instrumento de agravo, interposto por meio eletrônico contra decisão proferida em autos físicos.
  2. Nos termos do Tema 462/STJ, firmado na vigência do CPC/1973: “No agravo do artigo 522 do CPC, entendendo o Julgador ausente peças necessárias para a compreensão da controvérsia, deverá ser indicado quais são elas, para que o recorrente complemente o instrumento” (sem grifos no original).
  3. Manutenção, pelo CPC/2015, da classificação das peças que instruem o agravo de instrumento em obrigatórias e facultativas.
  4. Aplicação das razões de decidir do Tema 462/STJ ao agravo de instrumento interposto na vigência do CPC/2015 contra decisão proferida em autos físicos. Doutrina sobre o tema.
  5. Necessidade de indicação, pelo Tribunal de origem, das peças facultativas que entende necessárias à compreensão da controvérsia, ressalvada a possibilidade de se entender, fundamentadamente, pela necessidade de juntada e indexação do inteiro teor dos autos. Doutrina sobre o tema.
  6. Determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga o juízo de admissibilidade do agravo de instrumento.
  7. Prejudicialidade da preliminar de nulidade do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista o julgamento do mérito recursal favorável à parte recorrente. Doutrina sobre a primazia do julgamento de mérito.
  8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

 

Note, caro leitor, que esse entendimento está em consonância com o posicionamento jurisprudencial da Corte sobre o tema, no sentido de flexibilizar a juntada de peças facultativas na formação do agravo de instrumento. Esse entendimento foi aplicado no julgamento do AgInt no AREsp nº 371.387/SP, no qual a Quarta Turma entendeu pela impossibilidade de não conhecer de agravo de instrumento pela falta de juntada de procurações dos litisconsortes passivos que não figuravam no agravo interposto, por se tratar de peça facultativa (STJ, AgInt no AREsp nº 371.387/SP, 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Raul Araújo, julg. em 18.06.2019).

 

Portanto, tendo em vista a clara adoção do princípio da primazia do julgamento de mérito pelo CPC/15, verifica-se que a tendência da jurisprudência do STJ é flexibilizar a juntada de peças facultativas ao instrumento do agravo e a forma como elas são indexadas aos autos eletrônicos, devendo o recorrente, ainda, ser intimado para juntada de alguma peça que o julgador entenda indispensável para a compreensão da controvérsia.

 

EQUIPE IDC (Luiz Henrique Cezare e Felipe Moreira)