O cenário mais comum que se verifica na maioria das execuções em tramitação é a frustração na satisfação do crédito do credor por falta de bens penhoráveis, restando, apenas, bens classificados como impenhoráveis no universo patrimonial do devedor.
A legislação atual prevê como regra a impenhorabilidade absoluta do salário (CPC, art. 833, IV), exceto nos casos que envolvam créditos alimentares e as importâncias que excederem o valor equivalente a 50 (cinquenta) salários mínimos (CPC, art. 833, §2º). Ou seja, tirante essas situações excepcionais, o credor se vê muitas vezes impossibilitado de satisfazer seu crédito pela penhora do salário do devedor, por falta de bens penhoráveis.
Sensível a essa realidade, recentemente, o Ministro Marco Buzzi, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por decisão monocrática (REsp nº 1.818.716/SC), autorizou a penhora do percentual de 25% (vinte e cinco por cento) da renda salarial em razão de dívida proveniente de execução de título extrajudicial baseada em cédula de crédito bancário, visto que a constrição não seria capaz de comprometer a subsistência da parte devedora.
Essa decisão, caro leitor, segue a tendência da própria Corte Superior em mitigar a regra de impenhorabilidade prevista no art. 833, inciso IV, admitindo-se uma exceção implícita no sistema para o caso em que a penhora de parte dos vencimentos do devedor não é capaz de atingir a dignidade ou a subsistência do devedor ou de sua família, conforme decidido pela Corte Especial do STJ, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência em REsp nº 1.582.475/MG:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA.
- Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia.
- A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais.
- O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente.
- Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.
- A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.
- Recurso não provido.
Portanto, segundo a atual interpretação do STJ sobre o tema, a possibilidade de penhora do salário e o percentual que a constrição recairá deverá ser avaliado em cada caso à luz do impacto da penhora na subsistência do devedor e de sua família.
EQUIPE IDC (Luiz Henrique Cezare e Felipe Moreira).