Lei de Alimentos: tias podem pagar pensão enquanto o pai estiver preso?

O Direito das Famílias costuma gerar muitas polêmicas com relação a responsabilidade em relação a parentesco e o que determina a legislação. A Lei de Alimentos, por exemplo, está sempre presente nos noticiários, seja pelos esclarecimentos de especialistas ou até mesmo pela prisão daqueles que não cumpriram com as suas obrigações. Está em andamento na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, uma Ação de Alimentos que tem provocado bastante debate. Ela foi ajuizada pela mãe de uma criança de 11 anos, em face das tias paternas, já que o pai encontra-se preso. O que a Justiça irá decidir?

Segundo a defensora pública Cláudia Tannuri, vice-presidente da Comissão dos Defensores Públicos da Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a ação está em curso perante a Vara de Família e Sucessões do Foro Central (SP). O pai da criança não tem endereço fixo conhecido e apresenta problemas de saúde motivados pelo uso de drogas. Ele recebe apenas um salário mínimo, que é originado do Benefício Assistencial (LOAS). Conhecido por ser uma pessoa agressiva, foi preso recentemente por crimes contra a ex-mulher e que também causaram danos psicológicos ao menor. Em virtude da prisão, o benefício (LOAS) foi cortado, e consequentemente, a criança ficou sem a pensão alimentícia.

Desta maneira, de acordo com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a mãe da criança ajuizou Ação de Alimentos em face do avô paterno, o qual já contribuía com 6% de seus rendimentos líquidos, descontados em folha de pagamento da aposentadoria de um salário mínimo, ou seja, R$ 56,22 por mês. A defensoria lembra que o avô é idoso, com problemas de saúde, e não reúne condições de auxiliar o neto com um valor maior.

Com essas dificuldades, a mãe precisa se esforçar muito para atender todas as necessidades do filho, com a ajuda dos seus pais, também idosos e com saúde debilitada. Com dificuldades financeiras, a genitora decidiu pedir ajuda às tias paternas do filho, mas não obteve êxito. A Defensoria Pública considera justificável a ação, tendo em vista que as tias recebem rendimentos consideráveis e exercem atividade laborativa regular, além de serem proprietárias de bens, revelando condições de auxiliar no sustento do sobrinho.

Para Cláudia Tannuri, os pedidos de alimentos em face dos tios geram polêmicas, em virtude da necessidade de uma interpretação dos dispositivos do Código Civil que não seja meramente literal, o que exige coragem por parte dos aplicadores da lei. “Trata-se de situação excepcional, de modo a justificar a responsabilidade das tias em contribuir para o sustento dos sobrinhos, ante a ausência de outros parentes em condições de prestar alimentos. Deve ser adotada uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, tutelando-se com prioridade absoluta os interesses do alimentando e priorizando-se o princípio da solidariedade familiar”, alerta.

Para a Defensoria Pública, trata-se de um direito que, para além da mera sobrevivência, tem por finalidade propiciar uma vida minimamente digna à pessoa. Essa especialidade torna-se ainda mais relevante quando o alimentando for criança ou adolescente em razão da prioridade absoluta conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Mas caso a Justiça determine que as tias paguem a pensão, a responsabilidade do avô de contribuir poderia ser retirada?

Cláudia Tannuri afirma que a responsabilidade do avô já existe. Contudo, o valor prestado corresponde a pouco mais do que 50 reais, o qual é insuficiente para arcar com as despesas mínimas necessárias à sobrevivência da criança, que ainda sofre de problemas de saúde e está passando por situação de penúria, de evidente vulnerabilidade social. “Assim, haveria uma responsabilidade das tias também, que são mulheres jovens e com plenas possibilidades para prestar alimentos, e que, inclusive, afirmam se preocupar muito com o sobrinho. Creio que seja razoável impor a responsabilidade das tias unicamente durante o período de impossibilidade total do pai (por exemplo, com a prisão)”, diz.

A defensora pública explica que os processos que envolvem a prestação de alimentos, notadamente para crianças e adolescentes, são dotados de mecanismos para garantia do cumprimento da obrigação de forma efetiva e célere, na medida em que está em jogo o direito à vida e a tutela da dignidade humana. Para ela, é fundamental uma mudança do entendimento tradicionalmente adotado pelos Tribunais sobre o tema, analisando-se o caso concreto com a sensibilidade necessária, a fim de ser efetivado o ideal de justiça.