O amicus curiae e a possibilidade de opor embargos de declaração para questionar aspectos subjetivos da demanda
Por Luiz Cezare
A figura do amicus curiae (“amigo” da Corte) foi introduzida pelo CPC/15 no art. 138, dentro do título atinente às intervenções de terceiros. Assim, autoriza-se a intervenção do amicus curiae quando houver: i) relevância da matéria; ou ii) especificidade do tema objeto da demanda; ou iii) repercussão social da controvérsia.
A função desse colaborador da Corte, portanto, é contribuir com a visão institucional de determinada matéria que não seria possível extrair das partes subjetivamente interessadas na demanda.
Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno:
Trata-se da possibilidade de terceiro intervir no processo por iniciativa própria, por provocação de uma das partes ou, até mesmo, por determinação do magistrado com vistas a fornecer elementos que permitam o proferimento de uma decisão que leve em consideração interesses dispersos na sociedade civil e no próprio Estado. Interesse que, de alguma forma, serão afetados pelo que vier a ser decidido no processo em que se dá a intervenção. Nesse sentido, é correto entender o amicus curiae como verdadeiro ‘representante’ destes interesses que, não fosse pela sua intervenção, acabariam sendo desconsiderados pela decisão.
(BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: volume único. 4ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 201)
Sobre a atuação do amicus curiae no processo, ele não poderá recorrer, salvo nas hipóteses previstas nos §§ 1º e 3º, do art. 138, do CPC/15, isto é: opor embargos de declaração e interpor recurso contra a decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).
Com essas premissas em mente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não conheceu dos embargos de declaração opostos pelo amicus curiae, sob o fundamento de que a entidade não poderia se valer dos aclaratórios para defender interesses privados e buscar o julgamento do feito em favor de uma das partes, vejamos:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO SUBJETIVO. INTERVENÇÃO DE AMICUS CURIAE. EXCEPCIONAL, AGINDO NOS LIMITES DO PODERES DEFINIDOS PELO RELATOR. OPOSIÇÃO DE ACLARATÓRIOS, ADEMAIS DE CARÁTER MERAMENTE INFRINGENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL E LEGITIMIDADE. PRECEDENTES.
- O art. 138, § 2º, do CPC/2015 estabelece que o juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada. Na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, são definidos os poderes do amicus curiae. Com efeito, buscou-se que os amigos da Corte apresentassem informações úteis ao julgamento do recurso, não tendo-lhes sido, ao arrepio da lei, conferida legitimidade para que pudessem defender interesse privado, buscando que o feito fosse julgado em favor de uma das partes, agindo como terceiro juridicamente interessado.
- O processo é subjetivo, “e o amicus curiæ é previsto para as ações de natureza objetiva, sendo excepcional a admissão no processo subjetivo quando a multiplicidade de demandas similares indicar a generalização do julgado a ser proferido.O Supremo Tribunal Federal ressaltou ser imprescindível a demonstração, pela entidade pretendente a colaborar com a Corte, de que não está a defender interesse privado, mas, isto sim, relevante interesse público (STF, AgRg na SS 3.273-9/RJ, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ 20/6/2008)” (AgInt no AREsp 884.372/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 14/10/2016). Isso porque “não se trata de uma intervenção de terceiros, e sim de um ato de admissão informal de um colaborador da corte. Colaborador da corte e não das partes, e, se a intervenção de terceiros no processo, em todas as suas hipóteses, é de manifesta vontade de alguém que não faz parte originalmente do feito para que ele seja julgado a favor de um ou de outro, o amicus curiae, por seu turno, somente procura uma decisão justa para o caso, remetendo informações relevantes ao julgador” (STF, ADPF 134 MC, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 30/04/2008). Em igual sentido: STF, ED na ADI 3460, Rel. Ministro TEORI ZAVASCKI, TRIBUNAL PLENO, DJe de 12/03/2015)” (AgInt nos EREsp 1537366/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/04/2019, DJe 27/05/2019).
- Embargos de declaração não conhecidos.
(EDcl no REsp nº 1.733.013/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 03/08/2020)
Em outras palavras, ao colaborador da Corte é dada a possibilidade de intervir no feito a fim de apresentar informações úteis ao julgamento da causa, por possuir interesse institucional, não sendo permitida a atuação com a finalidade de advogar interesses subjetivos a favor de determinada parte.
Segundo já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “o amicus curiae é previsto para as ações de natureza objetiva, sendo excepcional a admissão no processo subjetivo quando a multiplicidade de demandas similares indicar a generalização do julgado a ser proferido. O Supremo Tribunal Federal ressaltou ser imprescindível a demonstração, pela entidade pretendente a colaborar com a Corte, de que não está a defender interesse privado, mas, isto sim, relevante interesse público” (AgRg na SS 3.273-9/RJ, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ 20/6/2008).
Portanto, caro leitor, a despeito da expressa autorização legal para o amigo da Corte opor embargos declaratórios no feito em que atua (art. 138, § 1º, CPC), o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento segundo o qual a atuação não pode exceder o interesse institucional da entidade, sendo-lhe vedado o manejo do recurso para buscar o julgamento em favor de determinada parte.