É possível posterior retificação dos Embargos de Divergência, com base no art. 932, parágrafo único, do CPC?

Por Luiz Cezare

Uma das características mais marcantes do CPC/15 é o prestígio aos princípios da instrumentalidade das formas e da primazia do julgamento de mérito, especialmente no âmbito recursal. Prova disso é a regra prevista no art. 932, parágrafo único, cujo teor determina que o relator, antes de inadmitir o recurso, conceda ao recorrente a oportunidade de sanar o vício ou complementar a documentação exigível.

Porém, a despeito da regra supracitada, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por ocasião do julgamento do AgInt nos EDcl nos Embargos de Divergência em AREsp nº 1.327.996/RS, entendeu não ser admissível a posterior juntada do inteiro teor dos julgados paradigmas que fundamentavam os embargos de divergência, à vista do que dispõe o art. 1.043, §4º, do CPC, por se tratar de “vício essencial”, vejamos

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DIVERGÊNCIA APRESENTADA. REVISÃO DOS CRITÉRIOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚM. N. 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A simples indicação de publicação dos paradigmas desacompanhada do inteiro teor desses julgados não supre as exigências do art. 1.043, § 4º, do CPC/2015. Esse vício não pode ser suprimida em momento posterior à oposição dos embargos a partir do art. 932 do CPC/2015, porque se refere à vício essencial dos embargos de divergência. Nesse sentido: AgInt nos EAREsp 419.397/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, CORTE ESPECIAL, julgado em 11/06/2019, DJe 14/06/2019. 2. A decisão do Min. Presidente do STJ não deve ser reformada, pois os embargos de divergência não são instrumento processual adequado para a revisão de admissibilidade de recurso especial. 3. Agravo interno não provido.

(AgInt nos EDcl nos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial nº 1.327.996/RS, Corte Especial do STJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 24.09.2020).

Em seu voto, o relator consignou que a simples indicação de publicação dos paradigmas, desacompanhada do inteiro teor desses julgados, não teria o condão de cumprir a exigência do art. 1.043, § 4º, de modo que tal vício não poderia ser suprimido em momento posterior, com fundamento no art. 932, parágrafo único, uma vez que seria um “vício essencial dos embargos de divergência”. Tal entendimento, inclusive, encontraria respaldo em posicionamento já firmado pela Corte Especial, veja-se:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DECISÃO IMPUGNADA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. INOCORRÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 489, § 1º, DO CPC/2015. DESATENDIMENTO DOS REQUISITOS PARA COMPROVAÇÃO OU CONFIGURAÇÃO DO DISSENSO PRETORIANO. DIÁRIO OFICIAL NÃO É REPOSITÓRIO OFICIAL DE JURISPRUDÊNCIA. VEDAÇÃO DE ABERTURA DE PRAZO PARA REGULARIZAR VÍCIO SUBSTANCIAL. ART. 932, PARÁGRAFO ÚNICO, DO NOVO CPC. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 6/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DO EXAME EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL NÃO EXAMINADO NA TURMA JULGADORA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 315/STJ. RECURSO DESPROVIDO.

  1. Inexiste ofensa ao art. 489, § 1º, do CPC/2015, porque, ao contrário do afirmado pela parte agravante, a decisão recorrida não é genérica, pois elenca quais providências deveriam ter sido alternativamente adotadas pelo recorrente em sua petição de embargos de divergência para caracterizar o suposto dissenso pretoriano, quais sejam: (a) a juntada de certidões; (b) a apresentação de cópias do inteiro teor dos acórdãos apontados; (c) a citação do repositório oficial autorizado ou credenciado no qual eles se achem publicados, inclusive em mídia eletrônica; e (d) a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores com a indicação da respectiva fonte.
  2. A mera indicação da publicação do acórdão paradigma não supre as exigências do § 4º do art. 1.043 do CPC/2015 e do art. 266, § 4º, do Regimento Interno desta Corte Superior, porque o Diário da Justiça, em sua forma eletrônica ou física, não é repositório oficial de jurisprudência – previsto no § 3º do art. 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça -, consubstanciando somente órgão de divulgação, na forma do art. 128, I, do referido instrumento normativo. Precedentes da Corte Especial.
  3. A ausência de demonstração da divergência alegada no recurso uniformizador constitui claramente vício substancial resultante da não observância do rigor técnico exigido na interposição do presente recurso, apresentando-se, pois, descabida a incidência do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 para complementação da fundamentação, possível apenas em relação a vício estritamente formal, nos termos do Enunciado Administrativo n. 6/STJ.

(…)

(AgInt no EAREsp nº 419.397/DF, Corte Especial do STJ, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 14.06.2019).

Assim, caro leitor, apesar de o art. 932, parágrafo único, permitir que o recorrente sane eventual vício identificado no recurso ou complemente a documentação exigível, a Corte Especial do STJ entende que a juntada do inteiro teor dos julgados paradigmas nos embargos de divergência configura “vício substancial”, motivo pelo qual não seria passível de posterior correção.