Um tema um tanto quanto instigante, polêmico, inovador e ainda pouco estudado: os negócios jurídicos processuais e, notadamente, a cláusula geral de negociação processual prevista no artigo 190 do CPC.

O referido dispositivo legal é expresso ao dispor que: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Como já alertado, embora pouco detalhados pela doutrina, os negócios jurídicos processuais ganham novo colorido no sistema processual civil em vigor. Ao lado das já conhecidas, desde o sistema revogado, cláusulas de eleição de foro e de distribuição convencional do ônus da prova (CPC/73, arts. 11 e 333, parágrafo único), o CPC/15, além de ampliar as hipóteses de negócios processuais típicos, também institui uma cláusula geral de negociação processual, a permitir acordos procedimentais e outras convenções processuais não previstas expressamente (negócios processuais atípicos).

Como exemplos de negócios processuais típicos, além da repetição dos já mencionados (CPC, arts. 63 e 373, § 3º), podem também ser citados: a fixação de calendário processual para a prática dos atos processuais (art. 191); a renúncia expressa da parte ao prazo estabelecido exclusivamente em seu favor (art. 225); a suspensão convencional do processo (art. 313, II); e a delimitação consensual das questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória e de direito relevantes para a decisão do mérito na fase de saneamento (art. 357, § 2º).

Mas a grande novidade está na cláusula geral de negociação processual, que amplia sobremaneira a autonomia das partes no âmbito processual por meio de acordos firmados antes ou durante o processo.

Os poderes do juiz são mantidos, sobretudo pelo disposto nos artigos 139, inciso VI e 190, parágrafo único, cabendo-lhe sempre controlar a validade das convenções processuais por meio de decisão adequadamente fundamentada (art. 489, § 1º), recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Sem dúvida que o maior trabalho para doutrina e jurisprudência ainda está sendo desvelar os limites daquilo que é possível e daquilo que é defeso em matéria de convenção processual:

(…). Por força do art. 190 do CPC, portanto, não reputamos ser possível a pactuação de negócio jurídico processual que tenha por objeto a minoração ou a extinção de deveres processuais imperativamente impostos às partes, sob pena de ser-lhe ilícito o objeto. Não vigora, ipso facto, o “vale tudo” processual. O negócio jurídico processual não tem, e nem deve ter, esta extensão. (…). Não se pode, é nossa convicção, dispor em negócio jurídico processual que uma decisão poderá ser não fundamentada, ou que não vigora o dever de cumprir as decisões judiciais. Admiti-lo seria algo comparável à admissão do objeto ilícito na celebração do negócio jurídico processual. (…). (Teresa ARRUDA ALVIM, Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO, e Rogerio Licastro Torres de MELLO. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, comentários ao art. 190, p. 402-403).

Além disso, vários os Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) que tratam da matéria e tentam também colaborar para a definição desses limites.

Dentre eles, destacam-se:

À guisa de conclusão, perspicaz a observação de Daniel Amorim Assumpção NEVES sobre o tema:

Quem sabe com a ampliação do objeto do acordo procedimental ele se torne mais frequente, em especial na formatação de contratos que não contem com convenção de arbitragem. As partes não abririam mão do acesso ao Poder Judiciário, mas já estabeleceriam de antemão as regras procedimentais para o futuro e eventual processo judicial. Sinceramente, acredito que a consagração efetiva do art. 190 do Novo CPC depende de mudança de cultura jurídica, tanto contratual como processual, e por isso nutro grandes expectativas práticas quanto à novidade. (Novo Código de Processo Civil: inovações, alterações e supressões comentadas, p. 172).