DOIS MINUTOS SOBRE A NOVA FIGURA DO TRABALHO INTERMITENTE
Fernando Hugo R. Miranda[1]
Uma franca inovação da Lei nº 13.467/17 – a reforma trabalhista –, é a regulamentação da figura do Trabalho Intermitente. A modalidade de contratação, inédita no direito brasileiro, estabelece entre nós o que, no Reino Unido, ficou conhecido como contrato zero hora (zero-hour contract).
Em síntese, na modalidade do Trabalho Intermitente, empregado e empregador, ao celebrar o contrato de trabalho, não precisam ajustar, de antemão, o tempo de efetivo trabalho a ser realizado pelo empregado. O tempo de trabalho, pois, apresenta-se como cláusula contratual aberta, que será livremente negociada entre as partes já ao longo da execução do contrato de trabalho. A remuneração só será devida quando da ocorrência de efetivo labor.
A nova disciplina encontra-se regulada nos artigos 443, caput e 452-A da CLT. Embora seja certo que nova figura trará questionamentos acerca de sua efetiva extensão e aplicação, nesta altura é pertinente identificar o que emana da legislação aprovada, em sua essência. Duas questões merecem ser ressaltadas.
A primeira diz respeito à regulamentação da rotina de trabalho. Como a duração do trabalho não é fixa ou pré-estipulada, incumbirá ao empregador, em face de uma demanda pelo trabalho, comunicar o empregado sobre o interesse em seus serviços. Relembre-se que, não havendo trabalho, não haverá remuneração, a despeito da vigência do contrato de trabalho.
A comunicação deverá ser realizada por qualquer meio eficaz, devendo ser informado nessa oportunidade qual será o tempo de trabalho a ser executado. O contato deverá ser realizado com no mínimo três dias de antecedência, tendo o empregado o prazo de um dia útil para responder. Transcorrido o prazo para a resposta, é presumida a recusa. Tal recusa não traz consequências jurídicas ao contrato, que segue vigente.
É prevista, ainda, uma cláusula penal legal para o caso de inobservância de um trabalho ajustado, no importe de 50% da remuneração que seria devida no período. Assim, confirmada a realização de certa atividade, com indicação do tempo de prestação de serviços, a parte – empregado ou empregador – que não honrar com a contratação fixada, será devedora da pena, a ser paga no prazo de 30 dias. A lei autoriza a compensação do valor, em igual prazo. Aparentemente, pretendeu o legislador autorizar que tal dívida seja paga pelo empregado por meio da prestação de serviços, algo como o pagamento in natura da dívida.
Em segundo lugar, é oportuno tratar também da remuneração própria à figura. Estabelece a norma que o contrato de trabalho deverá especificar, necessariamente, o valor da hora de trabalho, condicionado ao valor do salário mínimo hora. Há, igualmente, uma cláusula de isonomia. Havendo no estabelecimento empregados que exerçam a mesma função – contratados ou não sob o regime do trabalho intermitente – deverá ser assegurada a identidade de remuneração.
Sobre a cláusula de isonomia, é oportuno o registro de que o legislador limitou-a espacialmente ao estabelecimento. Assim, ao menos do que emana da regra legal, não é o empregador legalmente obrigado a garantir a isonomia salarial em relação a empregados lotados em estabelecimentos diversos. A indicação, aliás, confirma o novo teor do caput do artigo 461 da CLT, que restringe a equiparação salarial a empregados do mesmo estabelecimento.
No caso do trabalho intermitente, que por sua própria natureza é dotado de grande flexibilidade, é preciso que o empregador se atente a situações nas quais o trabalho seja exercido em múltiplos estabelecimentos. Nesse caso, é certo que o empregado terá direito à equiparação em relação à maior remuneração praticada nos diferentes espaços.
Uma última consideração parece, ainda, pertinente.
À primeira vista, o trabalho intermitente pode ser antevisto como um meio de formalização de trabalhos eventuais. Já se disse que se trataria de formalizar o conhecido “bico”. Embora seja possível, evidentemente, que tal utilização seja emprestada ao instituto, é preciso não perder de vista que o escopo da modalidade de contratação pode ser bem mais amplo.
A figura do trabalho intermitente, ao expressamente autorizar que empregados e empregadores façam acordo acerca de variações do tempo de trabalho, mitiga a rigidez da lógica atual derivada da regra da inalterabilidade contratual, prevista no artigo 468 da CLT. Para a nova lei, a irredutibilidade salarial é assegurada pela manutenção do salário hora ajustado no contrato, mas não se estende ao valor nominal percebido pelo conjunto da atividade desempenhada no mês. Não há, igualmente, fixação em relação a horário de trabalho.
Com isso, empregados e empregadores podem, doravante, contratar e recontratar o montante e a distribuição das horas de trabalho. É possível, por exemplo, um empregado trabalhar em janeiro 100 horas distribuídas pelas manhãs; em fevereiro, 100 horas distribuídas pelas tardes; em março, 220 horas distribuídas ao longo de todo o dia e, em abril, nada trabalhar. Na hipótese, tanto o valor nominal percebido no mês como o horário de trabalho sofrem alterações, sendo alcançado por eventual flexibilidade exigida na administração do negócio.
Em contrapartida, o empregador deve ter em mente que ao contratar sob o regime do trabalho intermitente, o empregado pode recusar certa oferta imediata de período de trabalho, sem que com isso haja rompimento do vínculo empregatício.
Como se vê, a figura do trabalho intermitente, bastante questionada por entidades sindicais em países onde já aplicada, como na Nova Zelândia e no Reino Unido, representa uma expressiva novidade na legislação pátria.
[1] Doutor e Mestre em Direito do Trabalho pela USP. Advogado.