RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRODUTOS ALIMENTÍCIOS. OBRIGAÇÃO DE INFORMAR A PRESENÇA OU NÃO DE GLÚTEN. LEGITIMIDADE ATIVA DE ASSOCIAÇÃO. REQUISITO TEMPORAL. CONSTITUIÇÃO HÁ, PELO MENOS, UM ANO. FLEXIBILIZAÇÃO. INTERESSE SOCIAL E RELEVÂNCIA DO BEM JURÍDICO TUTELADO. DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA DEMONSTRADA. DEFESA DOS CONSUMIDORES. PROMOÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL.

  1. As associações civis, para ajuizar ações civis públicas ou coletivas, precisam deter representatividade adequada do grupo que pretendam defender em juízo, aferida à vista do preenchimento de dois requisitos: a) pré-constituição há pelo menos um ano nos termos da lei civil – dispensável, quando evidente interesse social; e b) pertinência temática – indispensável e correspondente à finalidade institucional compatível com a defesa judicial do interesse.
  2. Quanto ao requisito temporal, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme quanto à possibilidade de dispensa do requisito de um ano de pré-constituição da associação, nos casos de interesse social evidenciado pela dimensão do dano e pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
  3. A doença celíaca caracteriza-se pela atrofia parcial ou total das vilosidades intestinais, causada pela ingestão de glúten, presente no trigo, centeio, cevada, aveia e malte. A ingestão do glúten, por portadores da doença, pode trazer diversos males à saúde, como a má absorção de nutrientes que são essenciais para a manutenção fisiológica do organismo, assim como pode ser fator de risco para o desencadeamento de doenças crônicas como diabetes tipo 1, doença autoimune da tireoide, artrite reumatoide, doença de Addison, síndrome de Sjögren, câncer intestinal, osteoporose, infertilidade em mulheres, enfermidades neurológicas, bem como distúrbios psiquiátricos e morte.
  4. A informação acerca da existência do glúten em determinado produto alimentício é a forma mais eficiente para que o portador da doença garanta seu bem-estar, e, sobretudo, uma das formas de efetivação do direito humano à alimentação adequada, alçado ao nível de direito fundamental, acrescentado ao rol de direitos sociais, após a Emenda Constitucional n. 64/2010, tomando lugar entre os direitos individuais e coletivos.
  5. A pertinência temática exigida pela legislação, para a configuração da legitimidade em ações coletivas, consiste no nexo material entre os fins institucionais do demandante e a tutela pretendida naquela ação. É o vínculo de afinidade temática entre o legitimado e o objeto litigioso, a harmonização entre as finalidades institucionais dos legitimados e o objeto a ser tutelado na ação civil pública.
  6. Entretanto, não é preciso que uma associação civil seja constituída para defender em juízo especificamente aquele exato interesse controvertido na hipótese concreta.
  7. O juízo de verificação da pertinência temática há de ser responsavelmente flexível e amplo, em contemplação ao princípio constitucional do acesso à justiça, mormente a considerar-se a máxima efetividade dos direitos fundamentais.
  8. No caso concreto, a Abracon possui entre os fins institucionais a promoção da segurança alimentar e nutricional, assim como a melhoria da qualidade de vida, especialmente no que diz respeito a qualidade de produtos e serviços, estando, dessa forma, configurada a pertinência temática.
  9. Recurso especial provido.

(STJ, REsp 1357618/DF, 4ª T., j. 26.09.2017, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 24.11.2017).