Nos termos do art. 966, inciso V, do CPC, a decisão de mérito, transitada em julgado, poderá ser rescindida quando violar manifestamente a norma jurídica. Ou seja, o cabimento da rescisória com fundamento no referido inciso “pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada tivesse contrariado a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, sob pena de se perpetuar a discussão sobre a matéria decidida e desrespeitar a segurança jurídica” (REsp 1.750.556/GO, Terceira Turma, DJe 11.10.2019).

Por outro lado, é cediço que a ação rescisória não é admitida como sucedâneo recursal, de modo que não é permitido o seu ajuizamento com a simples intenção de rediscutir o acerto ou a correção do julgamento. Em outras palavras: há de ter a efetiva indicação de violação literal de norma jurídica para admissão da pretensão rescisória.

Com essas premissas em mente, é possível concluir que, ao considerar que cada suposta violação constitui uma causa de pedir da ação rescisória, é ônus do requerente a expressa indicação da norma violada e a escorreita correlação com o pedido formulado na ação, devendo o juízo do Tribunal estar vinculado aos dispositivos ou normas apontadas pelo autor.

Nesse sentido, conclui Flávio Yarshell: “não compete ao tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações a literal disposição de lei não alegadas pelo demandante, nem mesmo ao argumento de se tratar de matéria da ordem pública.”(Ação Rescisória: juízos rescindendo e rescisório, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151).

Seguindo essa interpretação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu, no julgamento do REsp 1.663.326/RN, que é vedado ao Tribunal fundamentar-se em causa de pedir (hipótese de rescisão da decisão) que não foi expressamente indicada pelo autor na ação rescisória, especialmente quando a decisão rescindenda está devidamente fundamentada, vejamos:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. EXCEPCIONALIDADE. HIPÓTESES. TAXATIVIDADE. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 485, V, DO CPC/73. LITERAL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO DA NORMA VIOLADA. ÔNUS DO AUTOR. CAUSA DE PEDIR. TRIBUNAL. VINCULAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO. PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. JUÍZO RESCINDENTE. LIMITES. EXTRAPOLAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL. CARACTERIZAÇÃO.

  1. Ação rescisória, pautada no art. 485, V, do CPC/ 73, por meio da qual, por alegada violação literal dos arts. 332, 382 e 397 do CPC/73, se pretende desconstituir sentença que julgou parcialmente procedente ação adjudicatória de imóvel, objeto de contrato de compra e venda.
  2. Recurso especial interposto em: 10/11/2016; conclusos ao gabinete em: 20/12/2017; aplicação do CPC/15. 3. A correção de vícios por meio da ação rescisória é medida excepcional, cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73, em homenagem à proteção constitucional à coisa julgada e ao princípio da segurança jurídica. Precedente.
  3. Como se trata de via processual própria para a desconstituição da coisa julgada, que corresponde à preclusão máxima do sistema processual, o exaurimento de instância no processo rescindendo não é um dos pressupostos para a ação rescisória, tampouco a preclusão consumativa é obstáculo ao seu processamento. Precedente.
  4. Ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto apelação da sentença rescindenda – que, julgou antecipadamente a lide e indeferiu a produção de prova por ela requerida –, essa circunstância, por si mesma, não representa óbice ao cabimento da ação rescisória.
  5. A rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada contrariou a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, não alcançando a reapreciação de provas ou a análise da correção da interpretação de matéria probatória.
  6. A indicação do dispositivo de lei violado é ônus do requerente, haja vista constituir a causa de pedir da ação rescisória, vinculando, assim, o exercício da jurisdição pelo órgão competente para sua apreciação.
  7. Não é possível ao Tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à lei não alegadas pelo demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública.
  8. O juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento fundamentado das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em juízo cuja revisão demanda a reapreciação do conjunto fático dos autos. Precedentes.
  9. Na hipótese dos autos, o juízo rescindente promovido pelo Tribunal de origem ultrapassou os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na presente ação rescisória, além de não ter observado que o indeferimento da produção probatória e o julgamento antecipado da lide foi devidamente fundamentado.
  10. O acolhimento da pretensão de desconstituição da sentença transitada em julgado acarretou, portanto, a utilização da ação rescisória como sucedâneo recursal. 12. Recurso especial provido.

(REsp nº 1.663.326/RN, Rel. Nancy Andrighi, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 11/02/2020, DJe 13/02/2020).

Assim, caro leitor, observe-se que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que constitui ônus do autor indicar a norma violada pela decisão que se objetiva rescindir, não cabendo ao Tribunal reexaminar toda a decisão rescindenda para avaliar se haveria outras violações, mesmo que se trate de questão de ordem pública, devendo estar vinculado às causas de pedir e pedidos veiculados na ação rescisória.

EQUIPE IDC (Luiz Cezare e Felipe Moreira)