É possível o reconhecimento da prescrição aquisitiva quando o prazo se implementa no curso da ação de usucapião?

Por Luiz Cezare

Os prazos e requisitos para a declaração da prescrição aquisitiva por meio do reconhecimento da usucapião de bem móvel estão previstos, basicamente, entre os artigos 1.238 a 1.244 do Código Civil.

As espécies mais comuns são a usucapião extraordinária (art. 1.238), cujo prazo, em regra, será de posse do imóvel por 15 anos; usucapião ordinária (art. 1.242), devendo o possuidor comprovar a posse por 10 anos; e a especial familiar (art. 1.240-A), na qual a posse exigida será de 02 anos.

Porém, a questão que se coloca é: a parte necessita comprovar o preenchimento dos requisitos autorizadores para a declaração da usucapião na data do ajuizamento da ação ou a prescrição aquisitiva poderá se implementar no curso da demanda?

Recentemente a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.720.288/RS, entendeu que, com base no art. 493 do CPC, é possível o reconhecimento da prescrição aquisitiva quando o prazo exigido por lei se exaurir no curso da ação de usucapião, vejamos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO PRAZO PREVISTO NO CC/16, DADA A APLICAÇÃO DA REGRA DE TRANSIÇÃO DISPOSTA NO ART. 2.028 DO CC/02. VINTE ANOS. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PRAZO QUE SE IMPLEMENTA NO CURSO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO. POSSIBILIDADE.

  1. Ação ajuizada em 10/02/2010. Recurso especial concluso ao gabinete em 31/01/2018. Julgamento: CPC/2015.
  2. Ação de usucapião extraordinária.
  3. O propósito recursal é definir se é possível o reconhecimento da prescrição aquisitiva quando o prazo exigido por lei se implementa no curso da ação de usucapião.
  4. O prazo da prescrição aquisitiva da propriedade aplicável à espécie não é o de 15 (quinze) anos previsto no art. 1.238 do CC/02 para a usucapião extraordinária, mas sim o de 20 (vinte) anos previsto no art. 550 do CC/16 para o mesmo fim, dada a aplicação da regra de transição prevista no art. 2.028 do novo Código Civil.
  5. O julgador deve sentenciar o processo tomando por base o estado em que o mesmo se encontra, recepcionando, se for o caso, fato constitutivo que se implementou supervenientemente ao ajuizamento da ação. É dizer: a prestação jurisdicional deve ser concedida de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença.
  6. É plenamente possível o reconhecimento da prescrição aquisitiva quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do ação de usucapião, por força do art. 462 do CPC, que privilegia o estado atual em que se encontram as coisas, evitando-se provimento judicial de procedência quando já pereceu o direito do autor ou de improcedência quando o direito pleiteado na inicial, delineado pela causa petendi narrada, é reforçado por fatos supervenientes. Precedentes.
  7. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp nº 1.720.288/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 29/05/2020).

Sobre esse tema, é importante ressaltarmos que há muito a Corte tem entendimento de que, ainda que o pedido de usucapião venha a ser julgado improcedente, é possível o possuidor voltar a discutir em ação futura sua posse computando também o prazo em que tramitou a primeira ação, caso não se verifique depois dela um ato inequívoco do proprietário visando a retomada do bem, verbis:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO REJEITADA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ANULAÇÃO.

  1. A existência de decisão transitada formalmente em julgado, determinando a anulação de sentença para ingresso na fase de instrução, não vincula, pelas regras inerentes à disciplina da coisa julgada, a nova decisão a ser proferida. Contudo, as provas cuja realização foi determinada no primeiro acórdão devem ser levadas em consideração pelo segundo, sob pena de nulidade deste por ausência de fundamentação.
  2. Se o possuidor propõe uma ação de usucapião discutindo determinada área, a sua posse deve ser analisada até a data do ajuizamento da ação. É possível, entretanto, em princípio, que, ainda que o pedido de usucapião venha a ser julgado improcedente, o possuidor volte a discutir em ação futura sua posse computando, agora, também o prazo em que tramitou a primeira ação, caso não se verifique depois dela um ato inequívoco do proprietário visando à

retomada do bem.

  1. Há precedente, no STJ, considerando que a mera contestação a uma ação de usucapião não representa efetiva oposição à posse, interrompendo o prazo de prescrição aquisitiva. Para que o debate da questão volte a ser travado nesta sede, no entanto, é necessário a sua análise pelo acórdão recorrido.
  2. Tendo sido precisamente esses temas que justificaram a anulação da primeira sentença no processo, determinando-se o ingresso na fase de instrução, o novo julgamento deve enfrentá-las, sob pena de nulidade.
  3. Para reconhecer a inexistência de usucapião em favor de pessoa que habita há mais de 20 anos em um imóvel, é necessário que o Tribunal identifique precisamente os atos que tornam injusta sua posse ou, quando a alegação é de usucapião extraordinária, os atos que inequivocamente manifestam a intenção do proprietário de o reaver o bem.
  4. A existência de atos de permissão, contratos de locação ou contratos de arrendamento, celebrados 30 anos antes da propositura da ação reivindicatória, pelo proprietário, não têm relevância para a decisão do processo, dado o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária, fixado pelo art. 550 do CC/16.
  5. Recurso especial conhecido e provido para o fim de anular o acórdão recorrido.

(REsp nº 1.194.694/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 19/04/2011).

Assim, caro leitor, duas importantes diretrizes podem ser extraídas do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça acerca do cômputo do prazo da usucapião durante a tramitação da demanda, quais sejam: i) é possível o reconhecimento da prescrição aquisitiva quando o prazo exigido por lei se exaurir no curso da ação de usucapião; e ii) mesmo com a improcedência da ação de usucapião, ao possuidor é permitido voltar a discutir em ação futura a sua posse, computando também o prazo em que tramitou a primeira ação, exceto se houver ato inequívoco do proprietário visando à retomada do bem.