O Texto Constitucional Brasileiro é expresso ao dispor que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, inciso XXXVI), consagrando elementos que trazem segurança jurídica aos jurisdicionados. Afinal de contas, em algum momento, a discussão acerca de determinada questão jurídica tem que restar encerrada de forma definitiva, com a garantia de que o Judiciário não mais irá enfrentar a mesma questão entre essas partes, nem modificar aquilo que foi decidido.

Entretanto, em raras hipóteses, o sistema jurídico permite a desconstituição de decisões judiciais transitadas em julgado (a coisa julgada é uma autoridade das decisões judiciais de mérito – v. CPC, art. 502) em função de situações muito graves que, caso mantidas, abalariam o próprio sistema de justiça brasileiro.

Para essa finalidade básica que existe a ação rescisória, remodelada pelos artigos 966 a 975 do Código de Processo Civil, sobre a qual abordaremos dois pontos, quais sejam: (i) ampliação das hipóteses de cabimento; e (ii) termo inicial para sua propositura.

Corretamente, o art. 966, caput, diferentemente do que fazia o revogado CPC/1973, dispõe que, em determinadas situações, a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida. Essa previsão expressa acaba de vez com qualquer dúvida sobre o cabimento de ação rescisória face a decisões interlocutórias, decisões interlocutórias de mérito, decisões monocráticas ou acórdãos.

Ainda, é importante destacar o inciso V do art. 966, que, ampliando a antiga hipótese de cabimento nos casos de violação de expressa disposição de lei (v. CPC/1973, art. 485, inciso V), admite a rescisão da decisão de mérito transitada em julgado quando “violar manifestamente norma jurídica”.

Nesse sentido, ressalta-se que não se trata de mera adequação linguística ou formal, mas sim de verdadeira inovação nas hipóteses de cabimento da ação rescisória, que passa a ser admitida quando a decisão rescindenda, por exemplo, violar o princípio da boa-fé ou mesmo um precedente judicial decorrente de decisão tomada no âmbito de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).

Mais uma prova da valorização e da busca por uma jurisprudência mais estável, íntegra e coerente (v. CPC, art. 926).

Sobre o cabimento da ação rescisória, é importante frisar que, em alguns casos, mesmo decisões que não são de mérito poderão ser objeto de rescisória (art. 966, § 2º).

Dúvidas também não restarão sobre o cabimento de ação rescisória em relação a somente um capítulo da decisão (art. 966, § 3º). No entanto, por outro lado, talvez permaneça aceso o debate acerca do termo inicial do prazo decadencial de 02 (dois) anos para a sua propositura nos casos de formação progressiva da coisa julgada.

Como se sabe, dentro da sistemática processual civil anterior, para o STF, o prazo para a ação rescisória deveria ser contado de forma individual, para cada uma das decisões judiciais transitadas em julgado em momentos diferentes (existiriam, portanto, vários prazos distintos). Para o STJ, diferentemente, o prazo, que era um só, iniciava-se somente a partir da última decisão transitada em julgado no processo.

O art. 975, caput, do CPC, dispõe que “O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”, parecendo ter prestigiado o entendimento do STJ sobre o assunto, ainda que expressamente não esclareça se a última decisão seria do processo como um todo ou do processo relativo àquele capítulo da decisão que se pretende rescindir.

Numa análise bastante clara e conciliatória, resumem Teresa ARRUDA ALVIM, Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO e Rogerio Licastro Torres de MELLO:

Este dispositivo estabelece o termo final da ação rescisória. Com isso, resolve o problema que nasce do fato de haver, no mesmo processo, decisões que resolvem pretensões do autor em momentos diversos (ou do réu, se se tratar de reconvenção) e não transitam em julgado ao mesmo tempo. Isto ocorre também no caso de as pretensões serem resolvidas ao mesmo tempo, mas o recurso interposto dizer respeito só a uma delas, passando a operar a coisa julgada sobre as demais, de que não se recorreu. O termo final, diz a nova lei, é o último dia do segundo ano contado a partir da última decisão que transitou em julgado. E o termo inicial será variável, em função da decisão que se pretenda rescindir. Isto significa que só a última decisão transitada em julgado terá 2 anos para ser rescindida. As outras, terão mais do que isso. A nosso ver, trata-se de excelente e criativa solução: a rescisória pode ser movida desde logo. Mas o prazo não se esgota, se o autor da eventual rescisória preferir esperar que haja trânsito em julgado de todas as decisões. No entanto, a competência pode variar, em função do órgão em que transitou em julgado a decisão que se pretende rescindir, podendo haver, portanto, afinal, várias rescisórias concomitantes. (Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, comentários ao art. 975, p. 1549).

Por fim, cabe lembrar também que, nos casos de ação rescisória fundada em prova nova, o “termo inicial do prazo será a data da descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo” (CPC, arts. 966, VII e 975, §2º).

Nesses casos, portanto, deve-se contar o prazo decadencial de 2 (dois) anos a partir da descoberta da prova nova (sobre a qual ainda não se tinha conhecimento) que, por sua vez, não poderá se dar a qualquer tempo. Essa descoberta tem que ocorrer dentro do prazo máximo de 5 (cinco) anos do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Em boa hora o legislador preferiu se referir à “prova nova”, em vez de “documento novo”, como fazia o art. 485, VII, do CPC/1973.

Assim, nada obsta, por exemplo, que se trate de prova pericial nova (como aconteceu a partir do surgimento do exame de DNA) ou mesmo prova testemunhal nova, como bem ressaltam Teresa ARRUDA ALVIM e Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO:

Pode dizer respeito, por exemplo, à testemunha que a parte veio a conhecer posteriormente, ou cujo paradeiro veio a descobrir somente depois de encerrada a instrução no processo de origem ou do trânsito em julgado da decisão rescindenda, ou à perícia que somente se tornou possível, com o surgimento de um novo meio técnico, ou cujos documentos, sobre os quais deveria recair, somente puderam ser encontrados quando já não era mais possível apresentá-los na demanda originária. É indispensável que a prova não tenha deixado de ser produzida por desídia da própria parte, em decorrência de sua própria culpa.

(…)

Veja-se que, para que a rescisória seja intentada com base no art. 966, VII, é necessário que a prova “nova” seja, por si só, capaz de assegurar a procedência da ação. Trata-se de agregar à prova a qualidade de ser convincente, de ter expressiva força probante. Ou seja, não se trata de qualquer prova nova. Deve-se verificar se a nova prova é capaz de assegurar pronunciamento favorável ao autor. (Ação rescisória e querela nullitatis, p. 285-286).

Sobre o tema, interessante também destacar que, em março de 2019, a Terceira Turma do STJ, quando do julgamento do REsp 1.770.123-SP, fixou entendimento unânime segundo o qual:

O Código de Processo Civil de 2015, com o nítido propósito de alargar o espectro de abrangência do cabimento da ação rescisória, passou a prever, no inciso VII do artigo 966, a possibilidade de desconstituição do julgado pela obtenção de “prova nova” em substituição à expressão “documento novo” disposta no mesmo inciso do artigo 485 do código revogado. No novo ordenamento jurídico processual, qualquer modalidade de prova, inclusive a testemunhal, é apta a amparar o pedido de desconstituição do julgado rescindendo.

Em seu voto, o Relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afastou a decadência e destacou que o art. 975, §2º do CPC, “mediante inovação no sistema processual atinente à contagem do prazo para a propositura da rescisória, previu prazo diferenciado para as hipóteses de rescisão fundada em prova nova”.