Na linha da análise dos recursos no CPC, é interessante ressaltar algumas modificações importantes no âmbito da apelação, tratada pelos artigos 994, inciso I, e 1.009 a 1.014 do Código.
Para fins didáticos, preferimos expor algumas dessas alterações por meio dos seguintes assuntos: (i) regras gerais; (ii) extinção do agravo retido; (iii) busca pela efetividade procedimental; (iv) juízo de admissibilidade somente no segundo grau de jurisdição; (v) manutenção do efeito suspensivo; (vi) julgamento imediato do mérito; e (vii) extinção da “súmula impeditiva de recurso”.
A apelação continuará sendo o recurso cabível contra as sentenças (e também, como se verá a seguir, contra as decisões interlocutórias não passíveis de impugnação via agravo de instrumento), que deverá ser interposto no prazo de 15 dias úteis (CPC, arts. 219, 1.003, § 5º e 1.009).
O Código, alterando corretamente o regime das preclusões, deixa claro no artigo 1.009, § 1º que
As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
O que era matéria de agravo retido terá o seu espaço nas preliminares do recurso de apelação ou das contrarrazões recursais, hipótese esta na qual o recorrente será intimado para se manifestar em 15 dias (§ 2º). Insta dizer, também, que não haverá necessidade de protesto em lugar do agravo retido, conforme já constou da redação do CPC na Câmara dos Deputados.
Na busca pela efetividade procedimental no âmbito recursal, notam-se diversos avanços no novo marco legal processual, dentre os quais está, por exemplo, a intimação do recorrente para sanar vício decorrente do preenchimento incorreto da guia de custas do preparo recursal (CPC, art. 1.007, § 7º). Não se pretende dar espaço à chamada “jurisprudência defensiva” dos tribunais, mas incentivar, a todo momento, a busca pela resolução do mérito da demanda, escopo fundamental do processo.
Quanto ao procedimento recursal, o CPC deixa claro que o juízo a quo somente cuidará de garantir o contraditório mediante a intimação do recorrido para contrarrazoar em 15 dias, bem como do recorrente para responder também no mesmo prazo em caso de interposição de apelação na forma adesiva (arts. 997, § 2º e 1.010, §§ 1º e 2º). Após essas formalidades, “os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade” (§ 3º).
Não há mais, portanto, duplo juízo de admissibilidade na apelação.
E isso não foi alterado com o advento da Lei Federal nº 13.256/2016, que apenas modificou o juízo de admissibilidade nos recursos excepcionais, isto é, especial e extraordinário (cf. CPC, art. 1.030).
Por fim, cabe destacar que a apelação continuará tendo efeito suspensivo como regra, excetuadas as hipóteses mencionadas nos incisos do artigo 1.012, § 1º, que praticamente repete o revogado artigo 520 do CPC/73. Nas palavras de Cassio Scarpinella BUENO:
O caput do art. 1.012 preserva a regra do CPC de 1973 de que o recurso de apelação tem efeito suspensivo, o que merece ser compreendido no sentido de que a sentença é ineficaz desde seu proferimento, não surtindo efeitos senão depois de transcorrido in albis o prazo de apelo ou depois que ele for julgado. Os únicos efeitos que podem ser sentidos, nesse ínterim, são os expressamente previstos em lei, tais como, os do art. 495 e a hipoteca judiciária lá disciplinada. A preservação dessa regra representa, na minha opinião – e com o devido respeito do entendimento contrário –, um dos grandes retrocessos do CPC de 2015, máxime porque conflita frontalmente com o que, a este respeito, propuseram o Anteprojeto e o Projeto do Senado. Infelizmente, o Senado, na derradeira fase do processo legislativo, não recuperou a sua própria proposta (art. 968 do Projeto do Senado), mantendo, em última análise, a regra de que a apelação, no direito processual civil brasileiro, tem (e continua a ter) efeito suspensivo. (Manual de direito processual civil, p. 617-618).
O § 3º do artigo 1.013 do CPC, dispõe que:
Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I – reformar sentença fundada no art. 485;
II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
Não houve, portanto, repetição do requisito previsto no artigo 515, § 3º, do CPC/73, isto é, que se trate de matéria exclusivamente de direito.
(…). Esta expressão gera problemas e em boa hora foi suprimida. Manteve, no § 3º, a expressão: se a causa estiver em “condições de imediato julgamento”. Deve-se entender, por essa expressão, a situação de o mérito ter sido discutido pelas partes em primeiro grau de jurisdição – ou, pelo menos, de se ter verificado o contraditório, com alegações e produção de provas, sendo estas necessárias – a ponto de ser possível identificar, com clareza, qual é o quadro fático sobre o qual se funda o pedido. (Teresa ARRUDA ALVIM, Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO e Rogerio Licastro Torres de MELLO. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, comentários ao art. 1.013, p. 1610).
Por fim, cabe ressaltar a extinção da conhecida “súmula impeditiva de recurso”, prevista no revogado artigo 518 § 1º, do CPC/73. Nesse sentido, exatas as palavras de Daniel Amorim Assumpção NEVES sobre o assunto:
O Novo Código de Processo Civil não prevê a súmula impeditiva de recursos como requisito específico de admissibilidade da apelação, até porque o juízo de primeiro grau não faz mais juízo de admissibilidade da apelação. E, uma vez no tribunal de segundo grau, aquilo que cinicamente era tido pelo art. 518, § 1º, do CPC/1973 como pressuposto de admissibilidade recursal será enfrentado e decidido por aquilo que realmente é, ou seja, o mérito recursal. Afinal, se uma apelação não é recebida porque por meio dela se impugnou uma sentença que está em conformidade com determinada súmula dos tribunais superiores, será exigido do órgão julgador uma análise do conteúdo do recurso à luz do teor da sentença, o que parece ser julgamento de mérito. Sem juízo de admissibilidade da apelação no juízo de primeiro grau, a aberração criada pela súmula impeditiva de recursos é suprimida do sistema sem deixar saudade. (Novo Código de Processo Civil: inovações, alterações e supressões comentadas, p. 551).