Continuando o estudo proposto acerca dos pronunciamentos do juiz, mister se faz enfrentar o tema relacionado às decisões interlocutórias, cuja definição legal aparece como “todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no §1º” (CPC, art. 203, § 1º).
Trata-se, portanto, de um conceito residual em relação à sentença.
Diferentemente dos despachos, as decisões interlocutórias possuem, como regra, conteúdo decisório relevante e apto a trazer prejuízo para alguma das partes, a ensejar a sua impugnação via recurso de agravo de instrumento (somente nas hipóteses expressamente previstas no art. 1.015), apelação (nas demais situações – art. 1.009, § 1º) ou mesmo mandado de segurança, como adverte parte da doutrina: “a utilização desta ação para impugnar atos do juiz, à luz do CPC/73, tornou-se muito rara. Mas, à luz do novo sistema recursal, haverá hipóteses não sujeitas à agravo de instrumento, que não podem aguardar até a solução da apelação. Um bom exemplo é o da decisão que suspende o andamento do feito em 1.º grau por prejudicialidade externa. Evidentemente, há grandes chances de que a parte prejudicada não possa esperar”. (Teresa ARRUDA ALVIM , Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO, Rogerio Licastro Torres de MELLO, Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016, comentários ao art. 1.015, p. 1614).
Interessante notar, ainda, que a nova sistemática processual civil admitiu expressamente a existência de decisões parciais de mérito, verdadeiras “sentenças parciais”, como ocorre, por exemplo, nas hipóteses de julgamento antecipado parcial do mérito (v. art. 356). Nessas situações, por expressa opção legislativa, caberá recurso de agravo de instrumento (§ 5º).
Entretanto, não se pode alterar o conteúdo de uma decisão com base única e exclusivamente no recurso cabível contra ela.
Como há muito preconizava a Professora Teresa ARRUDA ALVIM, “(…) sempre nos pareceu que o princípio da correspondência, uma das bases da estrutura do sistema recursal do CPC de 1973, não incidia em casos como o de indeferimento liminar da reconvenção, da oposição e de outras tantas ações incidentais, pois que se tratava (e se trata) de pronunciamento agravável, mas que tinha (e tem) natureza jurídica de sentença. (…). Fica inegavelmente comprometido o princípio da correspondência entre decisões e tipo de recurso contra elas manejável, já que se trata de decisões que tem natureza de sentença e que, no entanto, estão submetidas ao recurso de agravo, apesar de transitarem em julgado e de serem, eventualmente, até rescindíveis”. (Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: RT, 2017 p. 39)
Daí porque se vem convencionando chamá-las de decisões interlocutórias de mérito, a fim de criar uma diferenciação terminológica em relação às decisões interlocutórias puras e simples, por assim dizer.
Apesar da omissão legal (v. CPC, art. 937), deverá prevalecer o entendimento de que, em casos tais, é plenamente admitida a sustentação oral no agravo de instrumento, posto que a decisão interlocutória de mérito, tendo conteúdo de sentença, traz à parte o mesmo grau de lesividade e prejuízo. Ora, se o prejuízo causado à parte é o mesmo (já que a decisão tem conteúdo de sentença), qual o sentido de se reduzir o grau de amplitude da ampla defesa no âmbito recursal? Tratar-se-ia de patente cerceamento.
No mesmo sentido é a indignação e o entendimento de Daniel Amorim Assumpção NEVES: “Há nesse rol uma inexplicável omissão. A partir do momento em que o Novo CPC consagra as decisões interlocutórias de mérito, recorríveis por agravo de instrumento, como não se admitir nesse caso a sustentação oral das partes? (…) A injustificada e incompreensível omissão legislativa, entretanto, não é capaz de afastar esse direito das partes, bastando para fundar tal conclusão uma interpretação extensiva das hipóteses de cabimento. Ora, se é cabível sustentação oral em apelação interposta contra sentença terminativa, como impedi-la em agravo de instrumento interposto contra decisão de mérito?” (Novo código de processo civil, São Paulo: Método, 2015, p. 476-477).