O efeito preclusivo da decisão de saneamento no Código de Processo Civil de 2015

Por Luiz Roberto Hijo Sampietro

Havia uma única e singela disposição no Código de Processo Civil de 1973 a respeito do saneamento do processo: o § 2º do art. 331 dispunha que se as partes litigantes não transacionassem, o juiz deveria fixar os pontos controvertidos da causa, decidir as questões processuais pendentes, determinar a produção das provas necessárias à elucidação das versões dos fatos alegadas pelos litigantes e, se fosse o caso, designar audiência de instrução e julgamento para a colheita da prova oral.

Como resultado do dever de cooperação imposto pela regra do art. 6º do CPC/15, a fase de saneamento e organização do processo recebeu tratamento minudente do legislador. Os cinco incisos do art. 357 do Código vigente detalham as providências que devem ser concretizadas para que o processo seja organizado e saneado (I – resolução das questões processuais pendentes; II – delimitação das questões de fato controvertidas e especificação dos meios de provas voltados a demonstrar a veracidade das versões alegadas em juízo; III – distribuir o ônus da prova; IV – delimitar as questões de direito relevantes para o julgamento do mérito da causa; e V – designar audiência de instrução e julgamento, se pertinente), ao passo que as disposições contidas nos §§ 2º e 3º do mesmo art. 357 prestigiam a autonomia privada das partes, que podem (i) requerer delimitação consensual das questões de fato e de direito que compõem o objeto da disputa judicial (§ 2º) e (ii) participar do saneamento do feito em cooperação com o juízo, em audiência designada especialmente para tal finalidade (§ 3º).

Outra novidade fundamental para a concretização do regular contraditório, para a segurança jurídica das posições processuais, faculdades, ônus e deveres que recaem sobre as partes litigantes e para a estabilização do objeto litigioso do processo está prevista no § 1º do referido art. 357: “[r]ealizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável”. O dispositivo legal em referência positivou o efeito preclusivo da decisão de saneamento, que, diferentemente do que sucedia no CPC/73 – muito em função da inexistência de regra sobre a eficácia preclusiva da decisão de saneamento –, confere estabilidade às questões decididas na decisão saneadora, ainda que sejam aquelas enumeradas pelo § 3º do art. 485 do CPC/15, a saber: (i) ausência de pressupostos processuais; (ii) existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; (iii) ausência de condições da ação (legitimidade e interesse processual); e (iv) intransmissibilidade da ação em caso de morte da parte.

Assim, diante da atual conformação dogmática da eficácia preclusiva da decisão de saneamento prevista na regra do § 1º do art. 357 do CPC/15, permanece atual a lição de Galeno Lacerda (Despacho saneador. Porto Alegre: Sulina, 1953, p. 174-175), desenvolvida ainda na vigência do CPC/39. Veja-se: “Aqui, a inexistência do recurso, quando o juiz declarar genericamente saneado o processo, ou se limitar a designar audiência, implica renúncia tácita à reação contra a anulabilidade, e esta convalescerá pela omissão do prejudicado, que se manifesta sôbre o objeto disponível”.

Dessa forma, se nenhuma das partes litigantes opuser embargos de declaração em caso de contradição, omissão ou obscuridade da decisão saneadora ou deixar de solicitar ajustes ou esclarecimentos sobre aquilo que foi decidido no pronunciamento saneador, mencionadas questões estarão preclusas (CPC, art. 505, caput) e, portanto, estáveis, o que evita indesejáveis retrocessos na marcha do procedimento.

Esse é o atual entendimento do STJ a respeito do assunto, conforme atestam os julgados a seguir reproduzidos:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. DECADÊNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECISÃO ANTERIOR NÃO IMPUGNADA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. SÚMULA 83/STJ. RESPONSABILIDADE RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ORIENTAÇÃO EQUIVOCADA ATRIBUÍDA AO ADVOGADO. COMPENSAÇÃO DE TRIBUTO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. PREJUÍZO DECORRENTE DA IMPOSIÇÃO DE MULTA PELA RECEITA FEDERAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. ‘As matérias de ordem pública, como prescrição e decadência, podem ser analisadas a qualquer tempo nas instâncias ordinárias. Todavia, quando decididas no bojo do despacho saneador, sujeitam-se a preclusão consumativa, caso não haja impugnação no momento processual oportuno’ (AgInt no REsp 1.542.001/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe de 12/11/2019). 2. O Tribunal de origem, examinando as circunstâncias da causa, concluiu pela culpa do causídico pelos danos sofridos pela autora, uma vez que a teria orientado a proceder à compensação dos créditos tributários discutidos judicialmente antes do trânsito em julgado da sentença, fato que resultou na imposição de multa de elevado valor pela Receita Federal. A modificação desse entendimento exigiria o revolvimento de matéria fático-probatória, inviável em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento”. (AgInt no REsp 1700828/PR, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., j. 15.6.2020. Grifamos) e “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO CONDENATÓRIO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERIDA. 1. As matérias de ordem pública, como prescrição e decadência, podem ser analisadas a qualquer tempo nas instâncias ordinárias. Todavia, quando decididas no bojo do despacho saneador, sujeitam-se a preclusão consumativa, caso não haja impugnação no momento processual oportuno. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo interno desprovido”. (AgInt no REsp 1542001/DF, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., j. 7.11.2019. Grifamos).

No entanto, há exceções que merecem ser destacadas. Conforme ensina Fredie Didier Jr. (Curso de direito processual civil, v. 1. 21ª ed. Salvador: Juspodium, 2019, p. 804), “a) A preclusão, prevista no § 1º do art. 357, CPC, refere-se à organização da atividade instrutória – delimitação dos fatos probandos, ordem de produção de provas, marcação da audiência etc. Se houver decisão sobre temas que podem ser objeto de agravo de instrumento (art. 1.015, CPC) ou de apelação (art. 1.009, § 1º, CPC) não haverá preclusão nesse momento. b) É por isso que se, na decisão de saneamento e organização do processo, houver capítulo em que o juiz decida sobre a redistribuição do ônus da prova, nos termos do art. 373, § 1º, do CPC, caberá agravo de instrumento (art. 1.015, XI, CPC)”.

Em síntese, as questões que foram decididas no saneamento e não foram objeto de pedido de esclarecimento/ajustes ou de embargos de declaração (somente em caso de omissão, contradição ou obscuridade), estarão preclusas e estáveis, em decorrência da regra do § 1º do art. 357 do CPC/15. Essa é a regra geral. Todavia, se elas puderem ser contrastadas por agravo de instrumento (incisos e parágrafo único do art. 1.015) ou em razões/contrarrazões de apelação (§ 1º do art. 1.009) não estarão sujeitas à preclusão.