Por Luiz Roberto Hijo Sampietro
A revelia é espécie do gênero inatividade processual, dizendo respeito ao comportamento comissivo do réu, que (i) deixa de contestar a pretensão do autor, (ii) contesta após o decurso do prazo legal ou (iii) contesta de forma irregular, deixando, por exemplo, de sanear a incapacidade processual da parte ou a irregularidade de representação dela (CPC, art. 76, § 1º, II).
O réu possui o ônus de participar do contraditório desenvolvido nos autos do processo. Por esse motivo, ARRUDA ALVIM esclarece que “(…) a revelia não pode ter seus efeitos comparáveis aos de uma punição. A presunção de veracidade das alegações do autor e a dispensa de dilação probatória, a autorizar o julgamento antecipado do mérito, não constituem sanções retributivas. Trata-se de consequências da inércia do réu que, ao deixar de contestar, torna incontroversos os fatos, dispensando, em princípio, a produção de outras provas”. (A revelia, o direito fundamental à prova e o artigo 349 do CPC/2015. In: Uma vida dedicada ao direito: estudos em homenagem a Roberto Rosas. Coords. Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Flavio Galdino. Rio de Janeiro: GZ, 2020, p. 100).
A ideia de que os efeitos da revelia consubstanciariam verdadeira punição ao réu inativo teve como gênese a redação imperativa do art. 319 do CPC/73: “Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”. Em tal hipótese, diante na inexistência de controvérsia sobre a matéria de fato alegada, o juízo estaria autorizado a dispensar a etapa instrutória e a proferir sentença, julgando a pretensão do autor.
A reforçar tal interpretação, de cunho literal, o art. 320, I a III, do CPC/73 (com exata correspondência nos incisos I a III do art. 345 do CPC/15), pontificava que o efeito material da revelia – presunção de veracidade das alegações expostas na petição inicial – estaria automaticamente afastado se (i) um dos réus contestasse a pretensão do autor; (ii) se o litígio tivesse por objeto direito indisponível; e (iii) se petição inicial não estivesse acompanhada do instrumento público fundamental à comprovação do ato.
No entanto, a doutrina, sempre bem representada pela argúcia de BARBOSA MOREIRA (O novo processo civil brasileiro. 27ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 97), fez questão de esclarecer que o juízo não estava vinculado “(…) à aceitação de fatos inverossímeis, notoriamente inverídicos ou incompatíveis com os próprios elementos ministrados pela inicial (…)” pela mera circunstância de que o réu havia se quedado revel.
A jurisprudência de então também prestigiava o entendimento doutrinário, ao registrar que “[a] presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face da revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do Juiz”. (STJ, REsp 434.866/CE, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª T., j. 15.8.2002). Por consequência, os sucessivos precedentes do Superior Tribunal de Justiça reafirmaram o teor do Verbete n. 231 da Súmula de Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, que, ainda durante a vigência do CPC/39, admitia a produção de provas por parte do revel, desde que ele comparecesse em tempo oportuno.
No intuito de consolidar as vozes da doutrina e o entendimento pretoriano, o legislador do CPC/2015 trouxe uma quarta hipótese em que os efeitos materiais da revelia deixam de incidir sobre a versão dos fatos contida na petição inicial: trata-se da previsão do inciso IV do art. 345, responsável por afastar a presunção de veracidade da narrativa autoral se tais alegações estiverem desprovidas de verossimilhança ou se elas forem incongruentes com a prova constante dos autos. “O Superior Tribunal de Justiça entende que os efeitos da revelia são relativos e não acarretam a procedência automática do pedido, devendo o magistrado analisar as alegações do autor e a prova dos autos”. (AgInt no AREsp 1679845/GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., j. 28.9.2020. No mesmo sentido, ver o acórdão proferido no AgInt nos EDcl no AREsp 1616272/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., j. 22.6.2020). Nessa situação, o revel estará autorizado a postular a produção de provas, desde que se faça representar nos autos a tempo.
O art. 345, IV, do CPC/15, desmistifica, portanto, a ideia de que a revelia automaticamente resulta na procedência do pedido do autor (AgRg no Ag n. 1.100.384/GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., j. 8.6.2020). Mas, por outro lado, a preclusão decorrente da inatividade do réu impede que ele produza provas tendentes a comprovar fatos tendentes a atestar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito reivindicado pelo autor. Em outras palavras, a revelia impede que o réu articule versão dos fatos que constitua defesa indireta (CPC, art. 373, II), devendo limitar a atividade probatória dele à contraposição direta da versão dos fatos articulada pelo autor (ex. AgInt no RMS 62.555/RJ: “A ausência de apresentação da contestação, a redundar na revelia, não impede o julgador, caso repute necessário à formação de sua convicção, determinar a produção de provas destinadas a comprovar os fatos alegados na inicial, podendo, a partir disso e, em tese, extinguir o feito sem julgamento de mérito ou mesmo julgar improcedente o pedido”) ou às matérias de ordem pública, sobre as quais não incide preclusão (ex. AgRg no Ag 1074506/RS: “O réu revel pode intervir no processo a qualquer tempo, de modo que a peça intempestiva pode permanecer nos autos, eventualmente, alertando o Juízo sobre matéria de ordem pública, a qual pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição”).