A regra prevista no § 8º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 e o juízo de equidade
Luiz Roberto Hijo Sampietro
Visando a prevenir subjetivismos na estipulação dos honorários advocatícios sucumbenciais – espécie resultante da derrota de um dos litigantes – e também a simplificar esse subsistema legal, o art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 disciplinou de forma extremamente minuciosa os critérios para a fixação da aludida verba honorária.
Dentre as novidades, o dispositivo legal em referência (i) esclareceu que os honorários sucumbenciais são devidos na reconvenção, no cumprimento provisório e definitivo da sentença, na execução e também em decorrência da interposição de recursos (§ 1º); (ii) estipulou faixas de porcentuais para a quantificação dos honorários de sucumbência nas causas em que a Fazenda Pública for parte (§§ 3º a 7º); (iii) definiu critério para a verba sucumbencial nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa (§ 9º); (iv) inovou ao prever a sucumbência recursal, determinando a majoração da verba fixada em grau de jurisdição inferior (§§ 11 e 12); (v) fez questão de encarecer a natureza alimentar dos honorários advocatícios sucumbenciais e de impedir a compensação dessa verba nos casos em que há sucumbência recíproca, tornando sem efeito a Súmula 306 do STJ (§ 14) e (vi) passou a admitir o ajuizamento de ação autônoma para a definição e cobrança de honorários sucumbenciais no caso de omissão de decisão transitada em julgado (§ 18), corrigindo, assim, o equívoco sumulado do STJ a respeito do assunto (Súmula 453).
Por outro lado, o Código vigente, na esteira da previsão do art. 20, § 4º, do CPC/73, resolveu manter as hipóteses que comportam a fixação de honorários sucumbenciais por equidade. Segundo a dicção do § 8º do art. 85 do CPC/15, o juízo está autorizado a fixar a verba honorária sucumbencial com lastro em apreciação equitativa (i) nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico obtido ou (ii) quando o valor da causa for muito baixo. Assim, nota-se claramente que a regra admite a fixação de honorários sucumbenciais por equidade somente nas hipóteses anteriormente mencionadas.
Mesmo diante da clareza e da imperatividade das situações eleitas pelo legislador, há julgados que teimam em aplicar a equidade na fixação dos honorários sucumbenciais em causas com valor elevado. Para justificar a utilização dessa postura voluntarista, a Segunda Câmara de Direito Comercial do TJRS, ao julgar o recurso de apelação n. 0000739-02.2018.8.24.0065, interpretou a palavra “inestimável”, que qualifica o “proveito econômico” obtido pelo vitorioso, como critério autorizador de fixação de verba honorária sucumbencial por equidade nas “(…) hipóteses em que a quantificação ensejar montantes exorbitantes”. No mesmo passo seguiu o acórdão proferido pela Vigésima Quinta Câmara de Direito Privado do TJSP no recurso de agravo de instrumento n. 2273097-54.2019.8.26.0000, responsável por pontificar que o escopo do art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, “(…) não é apenas evitar a fixação de verba honorária em valor irrisório, mas também conter o arbitramento em montante exorbitante, que não se justifique”. Para encerrar as exemplificações, a Décima Oitava Câmara de Direito Civil do TJPR, ao julgar o recurso de agravo de instrumento n. 0030071-03.2019.8.16.0000, entendeu que o § 8º do art. 85 do CPC/15 comporta interpretação extensiva, “observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como o escopo de se evitar o enriquecimento ilícito (…)”.
Além de desrespeitarem a literalidade do prescrito pelo art. 85, § 8º, do CPC vigente, os mencionados acórdãos contrariam a orientação do STJ sobre o assunto, conforme se extrai do acórdão proferido no Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial n. 1.633.571/SP: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. ARBITRAGEM. REEXAME DE CONTRATO. SÚMULA N. 5/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 283/STF. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DO ART. 85 DO CPC/2015. PROVEITO ECONÔMICO. VALOR FIXADO EM LIQUIDAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contrato (Súmula n. 5 do STJ). 2. No caso concreto, o Tribunal de origem interpretou o contrato social para concluir que a controvérsia que se pretende debater nos autos encontra-se inserida na cláusula arbitral. Alterar tal conclusão é inviável em recurso especial, ante o óbice da mencionada súmula. 3. O recurso especial que não impugna fundamento do acórdão recorrido suficiente para mantê-lo não deve ser admitido, a teor da Súmula n. 283/STF. 4. ‘(…) o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria. Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º)’ (REsp n. 1.746.072/PR, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/2/2019, DJe 29/3/2019). 5. Agravo interno a que se nega provimento”. (AgInt nos EDcl no AREsp 1633571/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., j. 13.10.2020. O destaque é nosso).
Embora o mencionado aresto do STJ não detenha caráter vinculante, pensamos que os julgados proferidos pelo TJRS, TJSP e TJPR, responsáveis por coonestar interpretação ampliativa do art. 85, § 8º, do CPC/15, contrariam a predeterminação do legislador, porque, conforme os dizeres de Eduardo Rezende Campos (Juízo de equidade na fixação de honorários de sucumbência: seria compatível em demandas com alto valor envolvido? Grandes temas do NCPC, v. 2 – Honorários Advocatícios. Coords. Marcus Vinícius Furtado Coêlho e Luiz Henrique Volpe Camargo. 3ª ed. Salvador: Juspodium, 2019, p. 189), “(…) não parece adequada a deliberada escolha de determinados julgados que, frente a um caso concreto, afastam a aplicação do art. 85, § 2º, do CPC/15, para o emprego da equidade prevista no § 8º, aludindo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ora, esses princípios importados da seara administrativa têm o escopo de limitar a própria discricionariedade do agente público diante do comando legal; no entanto, na esfera jurisdicional, o poder discricionário tem sido equivocadamente utilizado de forma oposta, com o fim de ultrapassar o próprio comando legal”.
Quisesse o legislador do atual CPC prestigiar a fixação de verba honorária sucumbencial por equidade em demandas cujo valor da causa fosse alto, a redação do § 8º do art. 85 certamente contaria com previsão dessa natureza. Como ela não se faz presente na regra em exame, a fixação de honorários sucumbenciais em causas com valor elevado deve ser fixada segundo os critérios do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, isto é, entre 10 e 20% do valor atualizado da causa, evitando-se que a exclusiva vontade do intérprete seja o veículo de atribuição de sentido a esse texto legal.