Por Felipe Moreira
Depois dos vetos aos arts. 4º, 6º, 7º, 9º, 11, 17, 18 e 19, entrou em vigor a Lei Federal nº 14.010/2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Dentre os dispositivos vetados pelo Presidente da República, estavam disposições envolvendo a resilição, resolução e revisão dos contratos face aos efeitos da pandemia; os poderes dos síndicos de condomínios edilícios para restringir a utilização das áreas comuns; e a vedação da concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo.
Entretanto, como se sabe, os vetos ainda podem ser derrubados pelo Congresso Nacional (CF, arts. 57, §3º, inciso IV e 66, §4º).
Em primeiro lugar, é preciso dizer que se trata de uma lei temporária, isto é, que se destina a vigorar e regular relações jurídicas por determinado período de tempo. Daí porque não alterou nem revogou dispositivos do Código Civil ou do Código de Processo Civil.
Como regra, o termo inicial, portanto, será o dia 20/03/2020 (art. 1º, parágrafo único), e o termo final, 30/10/2020, indicado nos outros artigos da lei.
Mas isso não significa que relações jurídicas anteriores a essa data não possam ser discutidas judicialmente com base nas regras desde sempre previstas no Código Civil, tendo a pandemia do coronavírus como fundamento para a discussão das bases objetivas de determinado negócio jurídico, por exemplo.
Especificamente no que diz respeito ao impedimento (não começou a fluir) ou suspensão (estava em curso) dos prazos prescricionais e decadenciais, o termo inicial será a entrada em vigor da lei, isto é, 12/06/2020.
A medida se justifica frente à constatação de que houve alteração drástica na rotina das unidades judiciárias de todo país, bem como do funcionamento de Tabelionatos, Cartório de Registro de Imóveis e diversas outras unidades administrativas fundamentais ao exercício da advocacia.
As assembleias gerais das pessoas jurídicas de direito privado poderão ser realizadas por meios eletrônicos, independentemente da previsão nos seus atos constitutivos (art. 5º).
O mesmo vale para a assembleia condominial, sendo que, não sendo possível a sua realização por meios virtuais, o mandato dos síndicos vencidos a partir de 20/03/2020 ficam prorrogados até 30/10/2020.
Em ambos os casos, é importantíssimo ponderar que o administrador ou o síndico deverá garantir um sistema seguro de participação, acessível a todos os interessados e a partir do qual se tenha certeza da identificação das pessoas e transparência na apuração dos votos.
O direito (potestativo) do consumidor de arrependimento imotivado de 7 (sete) dias previsto no art. 49 do CDC fica suspenso, até 30/10/2020, para a entrega domiciliar de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos (art. 8º).
Esse já era um tema debatido na jurisprudência, tendo em vista que, em diversas situações, como no caso clássico de um hambúrguer pedido via aplicativo, por exemplo, não há sentido em se garantir prazo de 7 dias para reflexão por parte do consumidor.
Por outro lado, obviamente que, estando, por exemplo, estragado o hambúrguer ou violado o medicamento comprado, o fornecedor terá, sim, responsabilidade pelo ocorrido nos termos do CDC, vigente a lei temporária ou não.
Os prazos para aquisição da propriedade móvel ou imóvel via usucapião também ficam suspensos entre 12/06/2020 e 30/10/2020, fato que protege os proprietários contra os quais fluem esses prazos, dado que, como já ressaltado, dificultado o acesso das pessoas ao Poder Judiciário no período para, por exemplo, questionar uma posse ilícita.
A prisão civil por dívida alimentar deverá ser cumprida em regime domiciliar até 30/10/2020, sem prejuízo da exigibilidade das obrigações.
Trata-se de regra a impedir eventual disseminação do coronavírus, considerando se tratar de prisão civil (medida de execução indireta) e dada a ausência de prejuízo à exigibilidade da obrigação, que ainda poderá ser perseguida pelo rito da penhora.
Para falecimentos ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 2020, o termo inicial para fluência do prazo de abertura de inventário previsto no art. 611 do CPC ficará dilatado para 30/10/2020.
Sobre o tema, ressalte-se que as regras relacionadas ao recolhimento do imposto estadual (ITCM-D) estarão sempre subordinadas ao Poder Legislativo Estadual. Não obstante, caberá ao Poder Judiciário, na ausência de norma específica, interpretar a pandemia como justo motivo para afastamento de eventuais penalidades.
Por fim, a vigência das sanções previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei Federal nº 13.709/2018) fica prorrogada para 01/08/2021.
Nesse sentido, deve-se lembrar que a vigência da Medida Provisória nº 959/2020 ainda regula a vigência de outros dispositivos da LGPD, de modo que, até a sua análise pelo Poder Legislativo, ainda há insegurança jurídica sobre a matéria (v. LGPD, art. 65).
Sem pretensões acadêmicas, o presente texto foi escrito com exclusividade para os Membros do Instituto de Direito Contemporâneo – IDC.