A teoria geral dos recursos, como não poderia deixar de ser, em verdade, remonta desdobramentos do princípio constitucional do devido processo legal, viga-mestra de toda construção que se pretende fazer sobre processo judicial no Brasil.

De forma muito breve, com o amparo das lições trazidas pelo Professor ARRUDA ALVIM, enfrentaremos os seguintes tópicos: legalidade/taxatividade, singularidade, fungibilidade, voluntariedade, proibição da reformatio in pejus, dialeticidade e sanabilidade dos vícios processuais no âmbito recursal.

Em primeiro lugar, deve-se lembrar que somente a lei federal cria recurso (CF, art. 22, inciso I e CPC, art. 994). Não existem recursos criados por decretos, resoluções ou regimentos dos tribunais – daí porque tecnicamente equivocada a expressão “agravo regimental”, ainda muito utilizada para se referir ao recurso de agravo interno, previsto no art. 1.021 do CPC.

Trata-se da legalidade ou tipicidade em matéria recursal.

Dessa mesma ideia decorre a característica da singularidade recursal, isto é, da conclusão de que, para cada tipo de decisão judicial, caberá um único recurso, de cada vez. Nas palavras de ARRUDA ALVIM: “(…). Em outras palavras, os recursos não se interseccionam em seus âmbitos, ou ao menos não deveriam apresentar áreas comuns de cabimento. No caso dos embargos de declaração, cabíveis contra qualquer espécie de decisão que a parte considere obscura, omissa, contraditória ou que contenha erro material (art. 1.022, I a III, do CPC), não há ofensa à singularidade, porquanto sua oposição interrompe o prazo para a interposição do recurso cabível até que seja analisado o vício alegado. Nesses casos, continua sendo cabível a interposição, pela parte, de um recurso de cada vez. É o que ocorre, por exemplo, quando a parte interpõe contra a sentença embargos de declaração, por reputá-la contraditória. O recurso de apelação somente poderá ser interposto após o julgamento dos embargos de declaração; não há possibilidade de interposição simultânea de recursos pela mesma parte.” (Novo contencioso cível no CPC, p. 447-448).

A única exceção a essa regra é a interposição simultânea dos recursos especial e extraordinário stricto sensu contra a mesma decisão (v. CPC, art. 1.031).

Da singularidade recursal advém a regra segundo a qual, interposto o recurso incorreto, a inadmissão (não conhecimento) é certa e o mérito recursal sequer será objeto de análise. A fungibilidade somente estará presente quando houver dúvida objetiva sobre qual recurso seria cabível contra determinada decisão (ou seja, não ser o caso de erro grosseiro na interposição) e a parte não estiver agindo de má-fé.

Sobre este tópico, felizes as conclusões de ARRUDA ALVIM: “(…). No CPC, grande parte – se não a totalidade – das dúvidas deixou de existir, pois o legislador foi cuidadoso o suficiente para prever expressamente, em incidentes processuais, qual é o recurso cabível. Assim, o novo Código é expresso em dizer ser cabível agravo de instrumento da decisão que exclui litisconsorte (art. 1.015, VII) e da decisão que julga parcialmente o mérito (arts. 356, § 4º, e 1.015, II, do CPC). Se há na lei expressa disposição da maneira por meio da qual se recorre de um determinado pronunciamento, cessa a dúvida objetiva, e passa a haver erro grosseiro na interposição equivocada.” (Novo contencioso cível no CPC, p. 450).

Na mesma linha, diferenciando fungibilidade de aproveitamento de atos processuais, continua o perspicaz Professor: “Para que a fungibilidade possa ocorrer, um recurso interposto inadequadamente deve ter condições de ser recebido no lugar do recurso correto. Só se fala em fungibilidade quando o recurso “equivocado” puder ser recebido, sem prejuízo do conteúdo da pretensão do recorrente. Se há necessidade de “adequar” ou “converter” um recurso em outro, não há mais fungibilidade. Assim, o art. 1.024, § 3.º, do CPC, permite que um órgão colegiado receba o recurso de embargos de declaração como agravo interno, se entender ser este o recurso cabível, desde que intime o recorrente para adequá-lo e complementar suas razões. Isso não é fungibilidade, pois os pressupostos de cabimento de um e de outro recurso são absolutamente distintos. A possibilidade de complementação das razões indica que se trata do aproveitamento de um ato processual, mas não de aplicação de fungibilidade. (Ibidem).

A interposição de todo e qualquer recurso é ato de vontade das partes ou terceiros interessados e também do Ministério Público. Como já se alertou, o recurso representa um prolongamento do direito de ação, extensão da própria demanda judicial em curso, nota distintiva marcante em relação às ações autônomas de impugnação.

Dessa forma, também os recursos estão submetidos ao princípio dispositivo.

Não por outra razão que o art. 998 é tão cristalino:

Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.

Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.

A remessa necessária, prevista no art. 496 do CPC, não é espécie recursal listada no rol do art. 994, mas sim “condição suspensiva para a eficácia da sentença – ou para a formação da coisa julgada – que seja contrária a entes públicos”. (ARRUDA ALVIM, Novo contencioso cível no CPC, p. 451).

Via de regra, também não é possível que a interposição de um recurso represente malefício para o recorrente, de modo a piorar a sua situação processual (proibição de reformatio in pejus – “reforma para pior”). Isso poderá resultar do recurso da parte contrária, por óbvio, ou de situações processuais inevitáveis, tal como a prevista no art. 1.013, § 3º, inciso I, do CPC (amplo efeito devolutivo da apelação).

A dialeticidade, por sua vez, refere-se à necessidade de as razões recursais conversarem, dialogarem com a decisão recorrida, esclarecendo exatamente aqueles pontos sobre os quais incidirá a irresignação.

Muito pertinente a observação do Professor ARRUDA ALVIM: “A mesma obrigação se pode impor às decisões; sua fundamentação não pode perder dialeticidade com o conteúdo das peças e dos recursos. Assim, ocorre frequentemente, quando os tribunais mantêm decisões (isto é, deixam de reforma-las e desproveem recursos) “por seus próprios fundamentos”. Isto, até mesmo pelo que diz o art. 489, § 1.º, IV, do CPC/ 2015, não significa fundamentar, sendo nula a decisão. Na realidade, mesmo que o órgão julgue um recurso por motivos diversos dos que as partes ofereceram, é recomendável – e até imprescindível, que se faça expressa menção a eles. Em outras palavras, desviar dos argumentos das partes implica dizer o porquê não se os está utilizando na decisão. Interessante notar, a este respeito, que o CPC, logo após dispor que, no agravo interno, o agravante deve impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada (art. 1.021, § 1.º), determinou, como contrapartida, que é vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno (art. 1.021, § 3.º).” (Novo contencioso cível no CPC, p. 453-454).

Por fim, deve-se prestigiar a tônica dada pelo CPC à sanabilidade dos vícios processuais, notadamente na seara recursal. Observe-se, por exemplo, o que está disposto no art. 932, parágrafo único do Código:

Art. 932. (…)

Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

Da mesma forma, cristalina a redação do art. 1.007, § 7º, que assim dispõe in verbis:

Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.

(…)

7º O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.

O legislador, de toda forma, tentou absorver antigas inseguranças que estavam relacionadas principalmente ao que se denominou jurisprudência defensiva, estimulando que o processo, sempre e ao máximo possível, alcance a solução definitiva de mérito, razão de ser da atividade jurisdicional heterocompositiva.

A efetividade processual ganha destaque sistêmico ao indicar que o processo deve buscar sempre a resolução de mérito, sob pena de esvaziar de sentido a atividade da jurisdição estatal: “Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Da mesma forma, ao tratar do princípio da cooperação processual, novamente se tem o mesmo destaque: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6º).

Percebe-se, portanto, também no âmbito recursal, que continua viva a advertência que já se fez anteriormente nesta obra, de que a resolução do mérito passa a ser sinônimo de efetividade, pois é o que, de fato, resolve a questão de direito material e contribui para a pacificação social.

Mais uma vez se pede vênia para repetir: essa posição política, por assim dizer, do CPC, fica muito clara em inúmeros outros dispositivos, que exigem uma postura proativa do magistrado na busca constante da correção das nulidades e do julgamento do mérito da demanda (CPC, arts. 76, 139, inciso IX, 317, 321, 357, inciso IV, 370, 932, parágrafo único, 938, § 1º, 1.007, § 7º, 1.017, § 3º e 1.029, § 3º).