O art. 937, inciso VIII, do CPC, consagra expressamente a possibilidade de sustentação oral em “agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência”. Como já destacamos em textos anteriores, a tutela provisória (arts. 294 a 311) será gênero do qual serão espécies a tutela de urgência (antecipada ou cautelar, requeridas em caráter antecedente ou incidental) e a tutela da evidência (requerida apenas incidentalmente).

Entretanto, parece-nos que existe evidente omissão no dispositivo em relação às chamadas decisões interlocutórias de mérito.

Há muito a doutrina vem destacando o critério do conteúdo para a correta classificação dos tipos de pronunciamentos judiciais. A definição da natureza de uma decisão judicial a partir do recurso contra ela cabível é insuficiente para se dar coerência ao sistema processual civil brasileiro, notadamente no âmbito recursal.

Como anteriormente já ressaltamos, Teresa ARRUDA ALVIM sempre defendeu isso: “O princípio da correspondência, uma das bases da estrutura do sistema recursal do CPC de 1973, já não incidia em casos como o de indeferimento liminar, por exemplo, da reconvenção ou da oposição e de outras tantas ações incidentais, pois que se tratava (e se trata) de pronunciamento agravável, mas que tinha (e tem) natureza jurídica de sentença, de acordo com o critério do conteúdo. À luz do CPC, são interlocutórias, equivalentes às sentenças processuais. Inegavelmente, têm natureza de sentença quando se leva em conta apenas o critério do conteúdo, tanto a decisão que julga a liquidação de sentença, quanto a que não acolhe, no mérito, a impugnação à execução de sentença, desde que através da impugnação tenha o executado alegado matérias como, por exemplo, pagamento, prescrição, novação etc., embora ambas, agora, sejam agraváveis e não apeláveis (art. 1.015, parágrafo único). Estas decisões, apesar de terem conteúdo de sentença, são classificadas pelo CPC como interlocutórias que, estão submetidas ao recurso de agravo, apesar de transitarem em julgado e de serem, eventualmente, até rescindíveis.” (Nulidades do processo e da sentença, p. 39).

Nesse sentido, a aproximação entre os recursos de apelação e agravo de instrumento feita pelo CPC, sobretudo em relação à unificação do prazo para interposição e resposta em 15 dias e à possibilidade de sustentação oral, num primeiro momento, deu a impressão de que a razão para isso estava justamente num igual tratamento recursal para decisões com idêntico conteúdo (de sentença), apesar de umas serem agraváveis e outras, apeláveis.

No entanto, quando da redação do art. 937, o legislador cometeu grave equívoco, ao deixar de mencionar todas aquelas decisões que, embora agraváveis, tem inegável conteúdo de sentença. Basta mencionar, por exemplo, os casos de extinção parcial do processo (art. 354) e de julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356, caput e § 5º).

Ora, se o prejuízo causado à parte é o mesmo (já que a decisão tem conteúdo de sentença), qual o sentido de se reduzir o grau de amplitude da ampla defesa no âmbito recursal? Trata-se de patente cerceamento.

Daí a correta conclusão de Teresa ARRUDA ALVIM, Maria Lúcia Lins CONCEIÇÃO, Leonardo Ferres da Silva RIBEIRO e Rogerio Licastro Torres de MELLO: “(…) Embora o CPC não tenha sido expresso, é de se admitir sustentação oral nos casos em que a decisão, embora recorrível por meio de agravo, tenha conteúdo de sentença, como é o caso, por exemplo, da decisão que põe fim à liquidação de sentença.” (Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, comentários ao art. 937, p. 1477).

No mesmo sentido é a indignação e o entendimento de Daniel Amorim Assumpção NEVES: “Há nesse rol uma inexplicável omissão. A partir do momento em que o Novo CPC consagra as decisões interlocutórias de mérito, recorríveis por agravo de instrumento, como não se admitir nesse caso a sustentação oral das partes? Tome-se como exemplo o art. 356 do Novo CPC, que consagra o julgamento antecipado parcial do mérito e em seu § 5º prevê expressamente a recorribilidade por agravo de instrumento. Julgado todo o mérito antecipadamente, caberá apelação e, nos termos do inciso I do art. 937 do Novo CPC, será permitida a sustentação oral. Mas julgada apenas parcela desse mérito, não caberá sustentação oral do recurso interposto pela parte sucumbente? É óbvio que, havendo um Novo CPC, o ideal seria a previsão expressa de cabimento de sustentação oral em agravo de instrumento contra decisão interlocutória de mérito. A injustificada e incompreensível omissão legislativa, entretanto, não é capaz de afastar esse direito das partes, bastando para fundar tal conclusão uma interpretação extensiva das hipóteses de cabimento. Ora, se é cabível sustentação oral em apelação interposta contra sentença terminativa, como impedi-la em agravo de instrumento interposto contra decisão de mérito?” (Novo código de processo civil: inovações, alterações e supressões comentadas, p. 476-477).

Dessa forma, feita a necessária e firme crítica ao dispositivo, que terá de ser interpretado de maneira sistemática e coerente em relação aos demais dispositivos do Código, resta, por fim, salientar outra importante novidade contida nesse mesmo dispositivo (art. 937), que é a possibilidade de sustentação oral por meio de videoconferência, esta sim, por sua vez, digna apenas de elogios.

Nas palavras de Cassio Scarpinella BUENO: “Ponto extremamente positivo reside, este graças ao Projeto da Câmara, no § 4º do art. 937, que permite a sustentação oral por meio de videoconferência ou recurso tecnológico equivalente quando o advogado tiver domicílio profissional diverso daquele onde o Tribunal é sediado. Que prevaleça, a este respeito, o correto entendimento quanto ao dever de os Tribunais disponibilizarem o que for necessário para a realização do ato à distância, nos mesmos moldes do art. 453, § 2º”. (Novo Código de Processo Civil anotado, p. 841).

A partir das experiências “forçadas” exigidas diante da pandemia que assola o mundo, muita coisa veio para ficar. E o avanço tecnológico no Poder Judiciário deve ser um exemplo disso. Por qual razão, afinal, mesmo após esse período crítico de crise sanitária, não se poderá designar audiência virtual (estando concordes as partes) ou permitir a sustentação oral por videoconferência mesmo fora das hipóteses do art. 937, §4º?