Consideram-se prequestionados os fundamentos das razões de apelação desprezados no acórdão que deu integral provimento ao recurso?
Por Luiz Cezare
Imaginemos a seguinte situação: a parte interpõe recurso de apelação pleiteando a reforma da sentença sob os fundamentos “A” e “B”. O tribunal de segundo grau, por sua vez, acolhe a apelação pelo fundamento A, deixando de apreciar o fundamento B, sendo que, então, a parte adversa interpõe recurso especial.
Diante do caso acima narrado, é possível afirmarmos que o fundamento B, apesar de não ter sido apreciado pelo tribunal a quo, estaria prequestionado para fins de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça?
Sobre essa questão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, apreciando os Embargos de Divergência no AREsp nº 227.767/RS, decidiu que deve ser considerada apreciada toda a matéria devolvida à segunda instância quando provido o recurso por apenas um dos fundamentos expostos pela parte, que não dispõe de interesse recursal para a oposição de embargos declaratórios, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM EXPOSIÇÃO DE MAIS DE UM FUNDAMENTO. PROVIMENTO DA APELAÇÃO COM BASE EM APENAS UM FUNDAMENTO, DEIXANDO-SE DE EXAMINAR OS DEMAIS. REVERSÃO DO ACÓRDÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA EM DECISÃO MONOCRÁTICA NO STJ. AGRAVO REGIMENTAL QUE VENTILA FUNDAMENTOS DESPREZADOS NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. EXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA INTERNA NO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PARCIALMENTE PROVIDOS PARA DAR POR PREQUESTIONADAS QUESTÕES JURÍDICAS REITERADAS NAS CONTRARRAZÕES AO RECURSO ESPECIAL.
I – Cuida-se de embargos de divergência por meio dos quais pretendem os embargantes a uniformização do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no tocante à resposta ao seguinte questionamento: consideram-se prequestionados o(s) fundamento(s) das razões de apelação desprezados no acórdão que deu integral provimento ao recurso?
II – À luz do acórdão da C. Primeira Turma deste Tribunal, o recurso especial não atendeu ao requisito especial do prequestionamento quanto aos temas de (i) não fluência do prazo prescricional na ausência de liquidez do título executivo; (ii) não ocorrência de inércia dos exequentes; e (iii) execução movida por incapaz, contra o qual não corre a prescrição.
III – Lidando com situação jurídica idêntica à dos presentes autos, assentou o acórdão paradigma (EREsp n. 1.144.667/RS), julgado por esta C. Corte Especial em 7/3/2018 e da relatoria do e. Min. Felix Fisher, que “a questão levantada nas instâncias ordinárias, e não examinada, mas cuja pretensão foi acolhida por outro fundamento, deve ser considerada como prequestionada quando trazidas em sede de contrarrazões”.
IV – Portanto, existem duas linhas de pensamento em rota de colisão no Superior Tribunal de Justiça, revelando-se de todo pertinente o recurso de embargos de divergência, em ordem a remarcar o entendimento que já havia sido proclamado no julgamento do paradigma invocado. Com efeito, rendendo vênias à C. Primeira Turma, o entendimento correto é o que considera toda a matéria devolvida à segunda instância apreciada quando provido o recurso por apenas um dos fundamentos expostos pela parte, a qual não dispõe de interesse recursal para a oposição de embargos declaratórios.
(…)
VI – É bastante fácil perceber que os ora embargantes não dispunham, após o julgamento da apelação, de nenhum dos dois requisitos: não eram vencidos (sucumbentes) e não existia perspectiva de melhora na sua situação jurídica. Logo, agiram segundo a ordem e a dogmática jurídicas quando se abstiveram de recorrer.
VII – Tenho por bem compor a divergência entre os acórdãos confrontados adotando o entendimento do acórdão paradigma, segundo o qual se consideram prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora.
(…)
(EAREsp nº 227.767/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Corte Especial, DJe 29/06/2020).
Em outras palavras: mesmo diante do acolhimento do recurso apenas por um dos fundamentos, a matéria ignorada pelo tribunal a quo será considerada prequestionada se alegada em contrarrazões ao recurso especial, visto que, segundo orientação jurisprudencial do STJ, o vencedor não possui interesse recursal para opor embargos declaratórios diante do acórdão recorrido.
Confira-se o seguinte excerto extraído do referido acórdão:
Pontue-se, ademais, que a exigência de oposição de embargos declaratórios a fim de inutilmente prequestionar matéria que sequer se sabe se voltará a ser abordada vai de encontro à tendência vigente mesmo antes do atual Código de Processo Civil de desestimular a desnecessária utilização das vias recursais.
Nesse sentido, ao considerar o prequestionamento da matéria, mostra-se até mesmo despiciendo o manejo, pela parte vencedora, de recurso adesivo condicionado à eventual reforma do acórdão pelo tribunal superior – o que a doutrina cunhou de “recurso excepcional adesivo cruzado” (v. Fredie DIDIER JR. e Leonardo Carneiro da CUNHA, Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais, 13. ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 154) –, na medida em que não haveria interesse recursal.
Portanto, caro leitor, caso o tribunal de segundo grau acolha a pretensão recursal, mas não analise todos os fundamentos ventilados nas razões recursais e a parte contrária interponha recurso especial, é altamente recomendável que a parte traga nas contrarrazões recursais a matéria não apreciada pelo acórdão recorrido, a fim de prequestionar a matéria e, assim, desobstruir as vias recursais no Superior Tribunal de Justiça.