Não eram raras as vezes nas quais, na vigência do CPC/73, a parte encontrava resistência dos tribunais superiores em julgar recursos interpostos contra acórdão que, ao mesmo tempo, tratava de questões de ordem constitucional e infraconstitucional.

Nessas situações, o Superior Tribunal de Justiça não conhecia o recurso especial alegando se tratar de decisão violadora de norma constitucional e o Supremo Tribunal Federal, por sua vez, igualmente não conhecia o recurso extraordinário afirmando que a violação à Constituição, na realidade, seria reflexa.

Tratava-se de um verdadeiro limbo jurídico.

Para acabar com essas situações, o CPC/15 previu o chamado redirecionamento (ou convertibilidade) dos recursos excepcionais. Essa regra permite que o relator no STJ, ao verificar que o recurso especial versa sobre questão constitucional, remeta os autos ao STF para julgar a pretensão recursal (art. 1.032); ou, se o relator no STF verificar que a ofensa alegada no recurso extraordinário é reflexa à Constituição, poderá enviar os autos ao STJ para julgamento como recurso especial (art. 1.033).

Vejamos o teor dos dispositivos legais:

Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional.

Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.

 

Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.

Ocorre que, mesmo o texto legal não impondo qualquer condição para a aplicação da referida regra, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.515.688/DF, decidiu que o art. 1.032, do CPC, não será aplicado caso a parte interponha simultaneamente recurso especial e recurso extraordinário, vejamos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ARESTO EMBARGADO CAPAZ DE JUSTIFICAR OS ACLARATÓRIOS. QUESTÃO RELATIVA AO ART. 2.º-A DA LEI N.º 9.494/97 NÃO EXAMINADA NO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO SOBRE O TEMA. QUESTÃO ATACADA POR RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO NO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.032 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

(…)

  1. O Superior Tribunal de Justiça não conheceu do recurso especial da Fazenda Nacional no tocante à aplicabilidade do art. 2.º-A da Lei n.º 9.494/97, pelo fato de o acórdão recorrido estar calcado em fundamentos eminentemente constitucionais, que foram objeto de recurso extraordinário interposto no tribunal de segundo grau. Dessa forma, é inviável o apelo extremo interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça.
  2. Interposto o recurso extraordinário contra acórdão do tribunal de segundo grau, é inaplicável o comando normativo contido no art. 1.032 do Código de Processo Civil de 2015, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
  3. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no AgInt no RE no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp nº 1.515.688/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, julg. 20/06/2018)

Essa restrição da remessa do processo ao STF apenas às situações em que a parte faça uso unicamente do recurso especial e deixe de manejar o recurso extraordinário já era aplicada pela Primeira Turma da Corte Superior, verbis:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO COM FUNDAMENTO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 1.032 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. HONORÁRIOS. CABIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. […] II – O acórdão impugnado possui como fundamento matéria eminentemente constitucional, porquanto o deslinde da controvérsia deu-se à luz da ponderação do direito à moradia e da dignidade da pessoa humana. III – O recurso especial possui fundamentação vinculada, destinando-se a garantir a autoridade da lei federal e a sua aplicação uniforme, não constituindo, portanto, instrumento processual destinado a examinar a questão constitucional, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o art. 102, III, da Carta Magna.

IV – É inaplicável ao caso a previsão do art. 1.032, do Código de Processo Civil de 2015, tendo em vista que a referida hipótese incide apenas naqueles casos em que a parte interpõe unicamente o recurso especial, deixando de manejar o competente apelo extremo, o que não é o caso dos autos.

V – Honorários. Cabimento. […]

VIII – Agravo Interno improvido.

(AgInt no REsp 1.673.358/PB, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, julg. 19.04.2018).

Portanto, caro leitor, é importante que ambos os recursos (especial e extraordinário) sejam interpostos diante de acórdão que verse simultaneamente sobre questões constitucional e infraconstitucional, sob pena de não ser aplicada a regra de redirecionamento prevista nos art. 1.032, do CPC, segundo orientação jurisprudencial da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.