É cabível a condenação de honorários de sucumbência na decisão que julga a primeira fase da ação de exigir contas?
Por Luiz Cezare
A ação de exigir contas é o instrumento processual apto a exigir do administrador de certos bens ou interesses a prestação de seus atos de gestão, com a finalidade de apurar a destinação dada ao patrimônio.
O procedimento da referida ação, com previsão entre os artigos 550 e 553 do CPC/15, tem por característica, em regra, a existência de duas fases: i) a primeira tem a finalidade de avaliar a existência ou não da obrigação de o réu prestar contas; ii) a segunda, se positiva a primeira, visa a permitir que o réu preste as contas pleiteadas pelo autor.
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ): “Em suma, tem-se que a ação de prestação de contas ocorre em duas fases distintas e sucessivas – na primeira, discute-se sobre o dever de prestar contas; na segunda, declarado o dever de prestar contas, serão elas julgadas e apreciadas, se prestadas.” (REsp 1.567.768/GO, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 30.10.2017).
O primeiro ponto que sempre causou discussão no âmbito jurisprudencial e doutrinário diz respeito à natureza jurídica das decisões proferidas em ambas as fases e, por consequência, o recurso cabível. Ou seja, a decisão que julga a primeira fase é sentença ou decisão interlocutória? O resultado da primeira fase impacta na natureza jurídica da decisão? Se admitirmos que a decisão que julga a primeira fase é sentença e considerando que o julgamento da segunda fase também far-se-á por sentença, teríamos duas sentenças no mesmo procedimento?
No âmbito jurisprudencial, a 3ª Turma do STJ já se manifestou no seguinte sentido: “(i) se o julgamento na primeira fase da ação de exigir contas for de procedência do pedido, o pronunciamento jurisdicional terá natureza de decisão parcial de mérito e será impugnável por agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, do CPC/2015; (ii) se, contudo, o julgamento da primeira fase da ação de exigir contas for de improcedência do pedido ou de extinção do processo sem resolução de mérito, o pronunciamento jurisdicional terá natureza de sentença e será impugnável por apelação.” (REsp 1.746.337/RS, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi DJe 12/04/2019).
Por outro lado, o segundo ponto polêmico diz respeito à aplicação da verba sucumbencial na sistemática da ação de exigir contas. Ou seja, ao considerar que a decisão que julga procedente a primeira fase é decisão interlocutória, caberia a aplicação de honorários sucumbenciais?
Na vigência do CPC/73, a questão não causava tanta celeuma, na medida em que a decisão que julgava a primeira fase era considerada sentença e, por isso, demandava a condenação do vencido ao ônus sucumbencial.
Sobre esse tema, inclusive, o STJ entendia que o vencedor das duas fases tinha o direito à majoração da verba honorária que lhe foi deferida na primeira decisão, observado o limite de 20% (REsp 154.925/SP, 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12/04/1999).
Já na vigência do CPC/15, em que se considera que a decisão que acolhe a pretensão autoral na primeira fase tem natureza de decisão interlocutória, a questão ganha força. Ao analisar esse tema, a Terceira Turma do STJ decidiu ser possível a aplicação da verba honorária sucumbencial ainda na primeira fase, vejamos:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. PRIMEIRA FASE. DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO.
(…)
- O propósito recursal é definir se é cabível a fixação de verba honorária na primeira fase da ação de exigir contas.
- A ação de exigir contas ocorre em duas fases distintas e sucessivas – na primeira, discute-se sobre o dever de prestar contas; na segunda, declarado o dever de prestar contas, serão elas julgadas e apreciadas, se apresentadas.
- À luz do CPC/2015, o ato judicial que encerra a primeira fase da ação de exigir contas possuirá, a depender de seu conteúdo, diferentes naturezas jurídicas: se julgada procedente a primeira fase da ação de exigir contas, o ato judicial será decisão interlocutória com conteúdo de decisão parcial de mérito, impugnável por agravo de instrumento; se julgada improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se extinto o processo sem a resolução de seu mérito, o ato judicial será sentença, impugnável por apelação.
- A despeito da alteração, pelo novo diploma processual civil, da natureza jurídica do provimento jurisdicional que encerra a primeira fase da ação de exigir contas quando há a procedência do pedido, não há razões para que seja alterada a forma da condenação ao pagamento das verbas da sucumbência antes admitida sob a vigência do anterior código, afinal, o conteúdo do pronunciamento jurisdicional permaneceu o mesmo.
- Com a procedência do pedido do autor (condenação à prestação das contas exigidas), o réu fica vencido na primeira fase da ação de exigir contas, devendo arcar com os honorários advocatícios como consequência do princípio da sucumbência.
- Recurso especial conhecido e provido”
(REsp 1.874.603/DF, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19.11.2020).
Assim, caro leitor, com fundamento no princípio da sucumbência e por entender que a decisão que acolhe a primeira fase da ação de prestação de contas tem conteúdo de sentença (decisão interlocutória de mérito), a Terceira Turma do STJ tem perfilhado o entendimento no sentido de ser aplicável o ônus sucumbencial nessa situação.