É possível admitir a reconvenção sucessiva (reconvenção da reconvenção)?
Por Luiz Cezare
O art. 343 do Código de Processo Civil dispõe que é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria em face do autor, desde que seja conexa com a ação principal ou com o fundamento de defesa. Porém, questão controvertida na doutrina e na jurisprudência é se seria possível o autor-reconvindo formular pedido reconvencional em face do réu-reconvinte (reconvenção sucessiva).
Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou esse tema em um caso com as seguintes nuances:
- A ação foi ajuizada por um advogado que pleiteava o pagamento de honorários contratuais e arbitramento de honorários de sucumbência;
- Citado, o réu não só apresentou contestação, mas também veiculou reconvenção pretendendo repetição do indébito sob o fundamento de que teria pago valor maior do que o devido;
- Ao ser intimado para responder a reconvenção proposta, o autor-reconvindo formulou pedido reconvencional à reconvenção já proposta pretendendo a repetição de indébito, uma vez que a pretensão do réu-reconvinte (devolução de valores pagos a maior) teria sido fixada em decisão judicial, motivo pelo qual deveria ser condenado a pagar o equivalente do exigido indevidamente.
Ao enfrentar a matéria, a Terceira Turma do STJ entendeu ser possível a propositura de reconvenção à reconvenção, desde que a questão que justifique a propositura tenha surgido na contestação ou na primeira reconvenção, vejamos:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA E ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRETENSÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO DEDUZIDA PELO RÉU EM RECONVENÇÃO. PRETENSÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO DEDUZIDA PELO AUTOR EM RECONVENÇÃO SUCESSIVA. RECONVENÇÃO À RECONVENÇÃO PROPOSTA NA VIGÊNCIA DO CPC/73, LEGISLAÇÃO APLICÁVEL QUANTO AO CABIMENTO. ADMISSIBILIDADE DA RECONVENTIO RECONVENTIONIS. DOUTRINA MAJORITÁRIA. AUSÊNCIA DE PROIBIÇÃO, CONDICIONADO O AJUIZAMENTO AO SURGIMENTO DA QUESTÃO QUE A JUSTIFICA NA CONTESTAÇÃO OU NA PRIMEIRA RECONVENÇÃO. INDEFERIMENTO LIMINAR DA RECONVENÇÃO SUCESSIVA NA VIGÊNCIA DO CPC/15. NOVA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL QUE SOLUCIONOU OS IMPEDIMENTOS APONTADOS AO CABIMENTO. INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA E NÃO DE CONTESTAÇÃO. ART. 343, §1º. VEDAÇÃO EXPRESSA DA RECONVENÇÃO SUCESSIVA APENAS NA HIPÓTESE DE AÇÃO MONITÓRIA. ART. 702, §6º. ADMISSIBILIDADE CONDICIONADA AO SURGIMENTO DA QUESTÃO QUE JUSTIFICA A RECONVENÇÃO SUCESSIVA APENAS NA CONTESTAÇÃO OU NA PRIMEIRA RECONVENÇÃO. SOLUÇÃO INTEGRAL DO LITÍGIO NO MESMO PROCESSO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA E DA ECONOMIA PROCESSUAL, SEM AFRONTA À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. TEMA REPETITIVO 622. DESNECESSIDADE DE RECONVENÇÃO NA HIPÓTESE DE PRETENSÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO. IRRELEVÂNCIA. TESE VINCULANTE QUE APENAS AUTORIZA A ARGUIÇÃO DA MATÉRIA EM CONTESTAÇÃO, SEM EXCLUIR A POSSIBILIDADE DE RECONVENÇÃO PARA ESSA FINALIDADE.
1- O propósito recursal é definir se, no sistema processual brasileiro, é admissível a reconvenção sucessiva, também denominada de reconvenção à reconvenção.
(…)
3- Ainda na vigência do CPC/73, a doutrina se posicionou, majoritariamente, pela admissibilidade da reconvenção à reconvenção, por se tratar de medida não vedada pelo sistema processual, mas desde que a questão que justifica a propositura da reconvenção sucessiva tenha como origem a contestação ou a primeira reconvenção.
4- Esse entendimento não se modifica se porventura se adotar, como marco temporal, a data da publicação da decisão que rejeitou liminarmente a reconvenção sucessiva, ocorrida na vigência do CPC/15, pois a nova legislação processual solucionou alguns dos impedimentos apontados ao cabimento da reconvenção sucessiva, como, por exemplo, a previsão de que o autor-reconvindo será intimado para apresentar resposta e não mais contestação (art. 343, §1º) e a vedação expressa de reconvenção à reconvenção apenas na hipótese da ação monitória (art. 702, §6º).
5- Assim, também na vigência do CPC/15, é igualmente correto concluir que a reconvenção à reconvenção não é vedada pelo sistema processual, condicionando-se o seu exercício, todavia, ao fato de que a questão que justifica a propositura da reconvenção sucessiva tenha surgido na contestação ou na primeira reconvenção, o que viabiliza que as partes solucionem integralmente o litígio que as envolve no mesmo processo e melhor atende aos princípios da eficiência e da economia processual, sem comprometimento da razoável duração do processo.
(…)
8- Recurso especial conhecido e provido, para determinar seja dado regular prosseguimento à reconvenção sucessiva ajuizada pelo recorrente.
(REsp nº 1.690.216/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 28/09/2020).
Assim, caro leitor, vislumbrando assegurar os princípios da eficiência e da economia processual, sem comprometer a razoável duração do processo, a Terceira Turma do STJ, por maioria, entendeu ser cabível a reconvenção sucessiva, desde que o seu exercício apenas tenha se tornado viável a partir de questão suscitada na contestação ou na primeira reconvenção.