Uma das maiores polêmicas do CPC/15 reside sobre a aplicação da regra prevista no art. 219, que determina a fluência somente em dias úteis dos prazos processuais estabelecidos por lei ou pelo juiz em dias:
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.
A discussão, porém, está no parágrafo único do referido dispositivo, já que dispõe que a regra só será aplicada aos “prazos processuais”.
Assim, para adequada aplicação da norma, faz-se necessária a distinção entre prazos processuais (que serão contados em dias úteis) e prazos materiais (que serão contados em dias corridos).
Sobre a identificação da natureza do prazo processual, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que “a natureza processual de um determinado prazo é determinada pela ocorrência de consequências endo-processuais do ato a ser praticado nos marcos temporais definidos, modificando a posição da parte na relação jurídica processual e impulsionando o procedimento à fase seguinte” (REsp nº 1.770.863/PR, Terceira Turma, Julg. 09.06.2020).
Assim, são prazos considerados processuais aqueles previstos para a prática de atos como contestação, recursos, réplicas, manifestações no processo etc., conforme entendimento da Corte (EDcl nos EDcl no REsp 1.770.437/RS, Segunda Turma, DJe 26.06.2020).
Por outro lado, sobre a conceituação de prazo material, vale ressaltar as lições de CARREIRA ALVIM, para quem: “normas materiais ou substanciais são aquelas que disciplinam diretamente as relações de vida, procurando compor conflitos de interesses entre os membros da comunidade social, bem como regular e organizar funções socialmente úteis“ (Teoria Geral do Processo, Rio de Janeiro: Forense, 2015, livro digital).
A título de exemplo, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, são considerados prazos materiais e, portanto, contados em dias corridos: (i) prazo de tolerância para entrega de unidade habitacional de 180 dias (AgInt no REsp 1737415/SP, Quarta Turma, DJe 30.09.2019); (ii) prazos previstos no microssistema recuperacional e falimentar previsto Lei 11.101/2005 (AgInt no REsp 1774998/MG, Quarta Turma, DJe 24.09.2019).
Seguindo essas premissas, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou que o prazo de 05 dias para o devedor de mútuo com garantia de alienação fiduciária pagar integralmente a dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto Lei 911/69, deverá ser contado em dias corridos, vejamos:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA. ART. 3º, § 2º, DO DECRETO-LEI 911/69. PRAZO. NATUREZA JURÍDICA. CRITÉRIO. CONSEQUÊNCIAS ENDO-PROCESSUAIS. AUSÊNCIA. CONTAGEM. DIAS CORRIDOS. ART. 219, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15.
(…)
- O propósito recursal consiste em determinar se o prazo de cinco dias previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69 para pagamento a integralidade da dívida pendente pelo devedor possui natureza processual ou material, sendo, pois, sob a égide do CPC/15, contado em dias úteis ou corridos.
- A doutrina processual civil oferece dois principais critérios para a definição da natureza material ou processual das normas jurídicas: i) um primeiro ligado às características fundamentais dos direitos regulamentados pelas normas; ii) o segundo, ligado à finalidade com que o ato deve ser praticado.
- Pelo princípio da instrumentalidade do processo, o direito processual é, a um só tempo, um ramo jurídico autônomo, mas também um instrumento específico de atuação a serviço do direito material, haja vista que seus institutos básicos (jurisdição, ação, exceção, processo) são concebidos e se justificam para garantir a efetividade do direito substancial ou material.
(…)
- Sob esse prisma, os prazos processuais destinam-se aos sujeitos envolvidos na relação jurídica correspondente, fixando faculdades e impondo-lhes, como consequência, ônus de atuação, cujo cumprimento ou descumprimento acarreta a sucessão das posições e fases processuais, em decorrência da preclusão temporal.
- A natureza processual de um determinado prazo é determinada pela ocorrência de consequências endo-processuais do ato a ser praticado nos marcos temporais definidos, modificando a posição da parte na relação jurídica processual e impulsionando o procedimento à fase seguinte.
- Como o pedido da ação de busca e apreensão é (i) reipersecutório e (ii) declaratório da consolidação da propriedade (seja pela procedência, seja pela perda de objeto), o pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69 é ato jurídico não processual, pois não se relaciona a ato que deve ser praticado no, em razão do ou para o processo, haja vista não interferir na relação processual ou mesmo na sucessão de fases do procedimento da ação de busca e apreensão.
- O prazo para pagamento art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69 deve ser considerado de direito material, não se sujeitando, assim, à contagem em dias úteis, prevista no art. 219, caput, do CPC/15.
(…)”
(REsp nº 1.770.863/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julg. 09/06/2020)
Portanto, caro leitor, o entendimento atual da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o prazo de 05 dias para que o devedor pague a integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei 911/69, deve ser contado em dias corridos, por ter natureza material, na medida em que o pagamento ou não da dívida do financiamento garantido pela alienação fiduciária não gera qualquer efeito endo-processual.