A parte pode ser responsabilizada pela retenção indevida dos autos por seu advogado?
Por Luiz Cezare
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.823.926/MG, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, decidiu que a parte poderá ser responsabilizada pelo ato ilícito praticado pelo seu advogado que reteve injustificadamente os autos do processo por 629 dias, prejudicando o andamento do feito e o cumprimento de ordem judicial, vejamos:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. OMISSÃO E NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. DIREITO TRANSITÓRIO. SENTENÇA DE PRIMEIRA FASE PROFERIDA, TRANSITADA E EXECUTADA NA VIGÊNCIA DO CPC/73. DIREITO DE EXIGIR A PRESTAÇÃO NA FORMA DA LEI REVOGADA. PRESTAÇÃO DE CONTAS EM FORMA MERCANTIL E EM FORMA ADEQUADA. REPERCUSSÃO PRÁTICA INSIGNIFICANTE. NECESSIDADE DE PRESTAÇÃO DE MODO CLARO E INTELIGÍVEL, INDEPENDENTEMENTE DO RÓTULO ATRIBUÍDO À FORMA. RETENÇÃO DE PROCESSO POR ADVOGADO CONSTITUÍDO. INTIMAÇÃO PARA DEVOLUÇÃO POR ÓRGÃO DE IMPRENSA OFICIAL. OBRIGATORIEDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. CONTEMPT OF COURT. CONDUTA DOLOSA OU CULPOSA DA PARTE. RETENÇÃO POR 629 DIAS. ATRASO EXCESSIVO NA EXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA CONSUBSTANCIADA EM CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. DESRESPEITO À ORDEM JUDICIAL. CULPA IN ELIGENDO E CULPA IN VIGILANDO DA PARTE. APLICAÇÃO DA MULTA. CUMULAÇÃO COM MULTA PELO INADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO DA OBRIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONDUTA JUDICIAL ANTI-ISÔNOMICA. INOCORRÊNCIA. CONCESSÃO DE PRAZO IDÊNTICO ÀS PARTES. NULIDADE DE ATOS PROCESSUAIS. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO QUE IMPEDE A COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. SÚMULA 284/STF
1- Ação distribuída em 26/04/2007. Recurso especial interposto em 03/04/2018 e atribuído à Relatora em 28/09/2018.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve negativa de prestação jurisdicional; (ii) se houve a observância da regra processual vigente ao tempo da prolação da sentença e do início da segunda fase da ação de prestação de contas; (iii) se deve ser aplicada alguma penalidade às partes ou aos seus advogados em razão de retenção dos autos por período acima do que havia sido concedido; (iv) se houve violação à regra de igualdade de tratamento das partes; e (v) se os atos processuais praticados anteriormente à cassação de decisão judicial podem ser convalidados.
(…)
5- A aplicação de penalidade ao advogado que retém por 629 dias o processo cuja vista lhe havia sido concedida por 30 dias pressupõe que tenha sido o patrono pessoalmente intimado a devolver os autos, não sendo a referida intimação substituível pela publicação no órgão de imprensa oficial. Precedentes.
6- A aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça (também denominado de contempt of court) pressupõe a presença de conduta dolosa ou culposa do agente. Precedentes.
7- Na hipótese, retido o processo, por 629 dias, pelos advogados constituídos pela parte, de modo a inviabilizar a execução definitiva de sentença quanto aos honorários advocatícios sucumbenciais, está configurada a culpa dos constituintes, seja na modalidade in eligendo (decorrente da má escolha do profissional apto a conduzir o processo judicial), seja na modalidade in vigilando (decorrente da falta de vigilância e de fiscalização das atividades desempenhadas pelo patrono que representava seus interesses judicialmente), impondo-se a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça.
(…)
11- Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido.
(REsp nº 1.823.926/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 16/09/2020).
No voto da relatora, seguido por unanimidade pela turma julgadora, foi consignado que, apesar da inexistência de dolo, a parte constituinte teria agido com culpa, seja na modalidades in eligendo (pela má escolha do profissional apto a conduzir o processo), seja na modalidade in vigilando (decorrente da falta de vigilância e de fiscalização das atividades desempenhadas pelo patrono que a representava no processo), devendo arcar com as penalidades da prática de ato atentatório à dignidade da justiça.
Importante considerarmos que, no mesmo caso, a Corte autorizou a cumulação da multa por ato atentatória à dignidade da justiça com a multa pelo inadimplemento voluntário da obrigação de pagar, aplicando entendimento jurisprudencial já consolidado (REsp 1.101.500/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.05.2011).
Assim, caro leitor, segundo recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, a parte poderá responder pessoalmente por atos ilícitos praticados pelo advogado constituído, especialmente com fundamento nas modalidades de culpa in eligendo e in vigilando, sem prejuízo da responsabilização do patrono que praticou a conduta lesiva.