STJ flexibiliza a aplicação da súmula 284/STF e admite, excepcionalmente, recurso especial apenas com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional
Por Luiz Cezare
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui sólida jurisprudência no sentido de não admitir recurso especial interposto apenas com fundamento na divergência jurisprudencial, prevista na alínea “c”, do art. 105, inciso III, da Constituição Federal, por entender que a fundamentação seria deficiente, aplicando a súmula 284/STF, vejamos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO. AUSÊNCIA. SÚMULA 284/STF. AGRAVO NÃO PROVIDO.
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- Nos termos do art. 105, III, “c”, da Constituição Federal, é cabível a interposição de recurso especial quanto o acórdão recorrido “der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.
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- Para demonstração da existência de similitude das questões de direito examinadas nos acórdãos confrontados “[é] imprescindível a indicação expressa do dispositivo de lei tido por violado para o conhecimento do recurso especial, quer tenha sido interposto pela alínea a quer pela c” (AgRg nos EREsp 382.756/SC, Rel. Min. LAURITA VAZ, Corte Especial, DJe 17/12/09).
- Sem a expressa indicação do dispositivo de lei federal nas razões do recurso especial, a admissão deste pela alínea “c” do permissivo constitucional importará na aplicação, nesta Instância Especial, sem a necessária mitigação, dos princípios jura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius, impondo aos em. Ministros deste Eg. Tribunal o ônus de, em primeiro lugar, de ofício, identificarem na petição recursal o dispositivo de lei federal acerca do qual supostamente houve divergência jurisprudencial.
- A mitigação do mencionado pressuposto de admissibilidade do recurso especial iria de encontro aos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois criaria para a parte recorrida dificuldades em apresentar suas contrarrazões, na medida em que não lhe seria possível identificar de forma clara, precisa e com a devida antecipação qual a tese insculpida no recurso especial.
- Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp nº 1.346.588/DF, Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julg. em 18.12.2013).
Porém, o STJ tem flexibilizado essa regra para as situações nas quais restar demonstrado que a divergência jurisprudencial é notória. Como exemplo, recentemente, a Terceira Turma da Corte, por ocasião do julgamento do REsp 1.888.386/RJ, admitiu o conhecimento de questão suscitada em recurso especial apenas como base na alínea “c”, do permissivo constitucional, verbis:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO POR VIOLAÇÃO AO ART. 942 DO CPC/15. INOCORRÊNCIA. TÉCNICA CUJA FINALIDADE É APROFUNDAR A DISCUSSÃO A RESPEITO DE CONTROVÉRSIA ACERCA DA QUAL HOUVE DIVERGÊNCIA, MEDIANTE A CONVOCAÇÃO DE NOVOS JULGADORES. JULGAMENTO AMPLIADO QUE PODERÁ OCORRER EM SESSÃO FUTURA OU NA PRÓPRIA SESSÃO. HIPÓTESE SINGULAR EM QUE A CÂMARA JULGADORA, A DESPEITO DE FORMADA ORDINARIAMENTE COM NÚMERO DE MEMBROS SUFICIENTES PARA PROPICIAR A INVERSÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO, ESTAVA MOMENTAMENTE DESFALCADA DE 01 JULGADOR. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE PARA QUE O INÍCIO DO JULGAMENTO AMPLIADO OCORRA NA MESMA SESSÃO EM QUE SE FORMOU A DIVERGÊNCIA E, APÓS A PROLAÇÃO DO 4º VOTO, QUE SEJA SUSPENSO AO AGUARDO DA CONVOCAÇÃO DO 5º JULGADOR. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO ÀS PARTES, EIS QUE RESGUARDADA A POSSIBILIDADE DE NOVA SUSTENTAÇÃO ORAL. SUPOSTA NULIDADE QUE, ADEMAIS, NÃO FOI SUSCITADA NA PRÓPRIA SESSÃO DE JULGAMENTO E NEM TAMPOUCO NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE EM QUE A PARTE TEVE DE FALAR NO PROCESSO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. NULIDADE DE ALGIBEIRA CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO APELAS PELA ALÍNEA “C” DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE, EM REGRA. SÚMULA 284/STF. POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO EXCEPCIONAL NA HIPÓTESE DE DIVERGÊNCIA NOTÓRIA. PENSIONAMENTO ENTRE EX-CÔNJUGES. FIXAÇÃO POR TERMO CERTO COMO REGRA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STJ. IMPLEMENTAÇÃO SUPERVENIENTE E NO CURSO DO PROCESSO DOS REQUISITOS PARA EXONERAÇÃO. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DA SITUAÇÃO FÁTICA EXISTENTE AO TEMPO DA PROLAÇÃO DA DECISÃO DE MÉRITO. HIPÓTESE EXCEPCIONAL DE PERENIDADE DO PENSIONAMENTO NÃO CONFIGURADA.
(…)
7- Conquanto o recurso especial interposto apenas pela alínea “c” do permissivo constitucional, sem a indicação de nenhum dispositivo legal supostamente violado, seja, em princípio, inadmissível por força da Súmula 284/STF, a regra de admissibilidade recursal pode ser excepcionalmente flexibilizada na hipótese em que a divergência jurisprudencial é notória. Precedentes.
8- Esta Corte possui jurisprudência consolidada no sentido de que o pensionamento entre ex-cônjuges deve ser fixado com termo certo, estipulando-se tempo hábil para que o ex-cônjuge se insira, recoloque ou progrida no mercado de trabalho e possa, assim, manter-se com padrão de vida digno pelas suas próprias forças, ressalvando-se apenas excepcionais hipóteses em que se verifique a incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho do ex-cônjuge.
(…)
11- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de fixar o termo final da pensão alimentícia devida a recorrida em mais 06 meses após a publicação do presente acórdão, independentemente do trânsito em julgado da presente ação exoneratória.
(REsp nº 1.888.386/RJ, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19.11.2020).
Desse modo, prezado leitor, a despeito de a jurisprudência do STJ exigir a indicação do dispositivo legal supostamente malferido para admitir recurso especial interposto com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional, a Corte tem flexibilizado essa regra quando se tratar de “jurisprudência notória”, podendo, nesse caso, o recurso ser conhecido apenas com base no dissídio jurisprudencial.