PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. VAGAS RESERVADAS PARA CANDIDATOS NEGROS. AUTODECLARAÇÃO. ÚNICA EXIGÊNCIA EDITALÍCIA. POSTERIOR REALIZAÇÃO DE ENTREVISTA PARA AFERIÇÃO DO FENÓTIPO SEM PREVISÃO NO EDITAL DE ABERTURA. FALTA DE AMPARO LEGAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO.
- Em se cuidando de disputa de cargos públicos reservados pelo critério da cota racial, ainda que válida a utilização de parâmetros outros que não a tão só autodeclaração do candidato, há de se garantir, no correspondente processo seletivo, a observância dos princípios da vinculação ao edital, da legítima confiança do administrado e da segurança jurídica.
- O princípio da vinculação ao instrumento convocatório impõe o respeito às regras previamente estipuladas, as quais não podem ser modificadas com o certame já em andamento.
- O Edital nº 01/2015 – TJDF, que tornou pública a abertura do concurso público destinado ao provimento de cargos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, estabeleceu, como critério único para a disputa de vagas reservadas para negros, a autodeclaração do candidato, à qual foi atribuída presunção de veracidade (item 6.2.3), em conformidade, aliás, com o disposto no art. 5º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203/2015.
- Embora o item 6.2.4 do edital originário previsse a possibilidade de se comprovar a falsidade da autodeclaração, nenhuma referência o acompanhou quanto à forma e ao momento em que a Comissão de Concurso poderia chegar a essa constatação. Daí que a posterior implementação de uma fase específica para tal finalidade, não prevista no edital inaugural e com o certame já em andamento, não se revestiu da necessária higidez jurídica, não se podendo, na seara dos concursos públicos, atribuir validade a cláusula editalícia supostamente implícita, quando seu conteúdo possa operar em desfavor do candidato.
- Nesse contexto, não era lícito à Administração Pública, após a aprovação dos candidatos nas provas objetiva e discursiva, introduzir inovação nas regras originais do certame (no caso concreto, por intermédio do Edital nº 15/2016) para sujeitar os concorrentes a “entrevista” por comissão específica, com o propósito de aferir a pertinência da condição de negros, por eles assim declarada ao momento da inscrição no concurso. À conta dessa conduta, restou afrontado pela Administração, dentre outros, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Precedente desta Corte em caso assemelhado: AgRg no RMS 47.960/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma, DJe 31/05/2017.
- Recurso ordinário provido para, reformando o acórdão recorrido, conceder a segurança, determinando-se a reinserção do nome do recorrente na lista dos candidatos que concorreram às vagas destinadas ao provimento por cota racial, respeitada sua classificação em função das notas que obteve no certame.
(STJ, RMS 54.907/DF, 1ª T., j. 05.05.2018, rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 18.04.2018)